quinta-feira, 22 de março de 2007

BIODIESEL: Esse negócio vai emplacar?


Cena um: em outubro passado, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa os gigantes do agronegócio, enviou ofício ao governo pleiteando a extensão, para a agricultura intensiva, do benefício fiscal dado à agricultura familiar voltada à produção de biodiesel. Cena dois: no mês seguinte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou a usina Barralcool, no Mato Grosso, antes que a ANP tivesse autorizado a planta. Cena três: este mês, a Soyminas, de Minas Gerais - o primeiro produtor de biodiesel autorizado do país -, completou dois anos sem cumprir um só contrato de fornecimento.

Os fatos descritos ilustram com precisão os dois lados da indústria do biodiesel no Brasil: o sucesso do programa de incentivo à produção e o açodamento na sua implantação.

Não há como negar que o mercado aderiu de pronto à onda do biodiesel. Há menos de um ano da exigência do óleo diesel com 2% do combustível de origem vegetal (B2), o país já tem um parque instalado de 600 milhões de litros anuais, para uma demanda estimada de 900 milhões de litros/ano em 2008. Contando os pedidos de autorização em análise na ANP, essa capacidade alcança 2,5 bilhões de litros/ano. Esse excedente de 1,6 bilhão de litros anuais já faz o governo estudar a antecipação, de 2013 para 2010, da meta de 5% de biodiesel (B5). "Tudo indica que em 2010 já estaremos em condições de pelo menos autorizar a comercialização do B5", avalia o diretor geral da agência reguladora, Haroldo Lima.

Leilões mantidos

Para chegar com segurança ao B5, o governo deverá manter os leilões de compra de biodiesel, inicialmente previstos para terminar este ano, a fim de estimular a expansão da produção através da garantia de compra da Petrobras e da Refap. O medo é deixar o mercado nas mãos das distribuidoras de combustíveis, que, via de regra, não deverão fazer aquisições além da obrigatoriedade dos 2%. Mesmo a Petrobras, que é obrigada a garantir toda a produção ofertada nos leilões, passaria a limitar as aquisições às necessidades da BR Distribuidora - ou cerca de 30% do mercado de diesel.

A timidez das distribuidoras nos leilões, contudo, não é fruto do acaso. Além de um pouco mais caro que o combustível fóssil, o biodiesel ainda está muito atrelado ao mercado da soja. Essa ligação dificulta, por exemplo, a negociação de fornecimentos de longo prazo. Para as distribuidoras, o ideal são contratos com preço fixo. Já o agronegócio da soja quer reajustes anuais, balizados pelo mercado internacional da oleaginosa. Um risco que as distribuidoras, acostumadas com o preço estável do diesel, não querem correr.

De acordo com a Granol, gigante do esmagamento de soja e o segundo maior produtor de biodiesel do país, o preço do óleo de soja, desde o primeiro leilão de biodiesel, no fim de 2005, já subiu 40%, de US$ 400/t para US$ 600/t. Com isso, a empresa calcula que o preço realista hoje seria de R$ 2.736/m³, contra os R$ 1.900/m³ pagos em média nos cinco primeiros leilões. "Garantir preços fixos como previsto nos leilões exige uma agressividade hercúlea", diz a diretora Financeira da empresa, Paula Ferreira. Ela também observa que se o preço do farelo cai e o do grão cai numa proporção menor, o óleo, que representa apenas 20% do aproveitamento da soja, tem de pagar a diferença.

Selo caro e de risco

A obrigação de destinar parte do investimento em matéria-prima para a agricultura familiar - requisito para obter o Selo de Combustível Social - também gera críticas. Os produtores dizem que ficam com todo o risco do plantio, uma vez que o desconto ou a isenção do PIS/Cofins, um dos benefícios do selo, só se dá quando a compra do biodiesel é efetivada. Com isso, a remuneração dos custos para organizar os núcleos de produção, como oferta de sementes, assistência técnica, implementos agrícolas e renda antecipada, fica à mercê de fatores climáticos, baixa produtividade e inadimplência. Esse risco ainda seria maior em culturas de menor escala, como a da mamona.

O governo, porém, tem outra visão. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) calcula que as empresas com o selo estão economizando de imposto R$ 0,15 por litro, em média. "Para algumas, essa diferença representa um aumento de 100% na margem", garante o coordenador geral de Agregação de Valor e Renda do MDA, Arnoldo Campos. Além da redução no imposto, o selo, requisito para participar dos leilões da ANP, dá acesso a financiamento no BNDES com taxa de juros um ponto percentual menor e cobertura de 90% do investimento, em vez dos 80% de praxe.

Na última contabilização do governo, as empresas com o Selo de Combustível Social já somavam 1,3 bilhão de litros em capacidade.

Produção tímida

É verdade que o ritmo de produção ainda é tímido para os volumes pretendidos. Em 2006, o volume de biodiesel produzido ficou em torno de 60 milhões de litros. Mas o governo tem uma explicação. "A maior parte dos 600 milhões da capacidade instalada autorizada só entrou em operação no início deste ano", informa Ricardo Gomide, coordenador-geral do Departamento de Combustíveis Renováveis da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia (MME). Pelas contas do ministério, outros 1,1 bilhão de litros/ano de capacidade vão entrar em operação ainda neste semestre.

Casos como o da Soyminas, porém, deixam o mercado em alerta. Há o temor de que a pressa do governo na implantação do programa do biodiesel possa comprometer seus resultados. Está certo que a empresa optou por uma rota de processo mais complexa, com etanol no lugar do metanol, que entra na rota tradicional, o que a fez ter dificuldades para produzir o biodiesel dentro das especificações. Mas a empresa tinha uma autorização da ANP. Outras autorizadas não chegaram a uma situação tão crítica, mas também não cumpriram o cronograma de fornecimento.

A agência reconhece que o rigor foi menor no início. Mas Haroldo Lima adianta que a ANP vai enrijecer na fiscalização, uma vez que já existem parâmetros operacionais para avaliar.

Matérias diversas

Problemas à parte, há ainda uma outra aposta governamental: a diversificação da matéria-prima. O MDA estima que a participação da soja no mercado, hoje de 90%, será de 60% em 2008, considerando os 900 milhões de litros de biodiesel previstos. A mamona virá em seguida, com 25% e o restante estará dividido entre girassol, dendê e sebo bovino. "A instabilidade da soja está empurrando os produtores para outras culturas", revela Campos.

Seja qual for a oleagionosa, o suprimento não deverá ser um gargalo. Mesmo que o Brasil dependesse só da soja, ainda haveria um certo conforto. Considerando que o país produz 50 milhões de t/ano dessa oleaginosa, o potencial de óleo vegetal, numa conta rápida, seria de 10 milhões de t/ano. O volume é mais de dez vezes a necessidade de B2 em 2008. Isso sem contar o sebo bovino, que, pelas contas do governo, poderia cobrir sozinho essa meta.

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