domingo, 13 de julho de 2008

Biodiesel: o PNPB e a Brasil Ecodiesel

A Brasil Ecodiesel foi a primeira empresa brasileira a iniciar a produção em escala industrial de biodiesel, é detentora do primeiro Selo Combustível Social do MDA, é das primeiras entre as que conseguiram autorização de funcionamento da ANP. Teve a presença do presidente da república em quatro das cinco inaugurações de sua unidades de produção.

Fundada no segundo semestre de 2003 pelo empresário Daniel Birmann. A sua primeira usina de biodiesel a entrar em operação em novembro de 2005, a de Floriano, no Piauí, tinha a capacidade instalada de 45 mil metros cúbicos por ano, com 270 mil. De lá pra cá, a empresa inaugurou mais quatro unidades: Porto Nacional (em TO); Crateús e Iraquara (no CE); e, Rosário do Sul, (no RS). Sua capacidade de produção subiu para 520.000 metros cúbicos. Até o final deste ano, a empresa espera atingir uma capacidade de 2,07 milhões de metros cúbicos e, chegar a 3,53 milhões quando todas as suas unidades estiverem em pleno funcionamento. E lançou suas ações na Bolsa de Valores, com boa resposta do mercado financeiros.

Até pouco tempo era a grande vitrine do setor, com tudo indicando para o crescimento e fortalecimento desta potência emergente do Biodiesel brasileiro. Seguindo à risca as orientações do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), com a sua produção baseada em matérias-primas ditas, alternativas, como a mamona, fornecidas pela agricultura familiar, era a grande amostra do governo federal do acerto em suas opções na produção do Biodiesel.

A Vitrine mostra sinais de trincamento. Desde o inicio do ano passado a empresa passa por um processo conturbado, com acumulo de prejuízos e saída de executivos, denúncias de trabalho escravo e infantil na produção de biodiesel e de iludir alguns produtores com falsas promessas.

Além da crise interna, o não cumprimento de contratos de entrega do biodiesel vendido nos leilões da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) juntamente com possibilidade de perda do Selo Combustível Social por problemas documentais de comprovação de atendimento às exigências do mesmo, poderá levar seu descredenciamento para participação em futuros leilões do governo, e a perda das isenções tarifárias. O que, no cenario atual de comercialização do Biodiesel no Brasil, onde o governo é o maior, para não dizer único, comprador, significaria a derrocada final da empresa.

Em 2006, encerrou o ano com um prejuízo líquido consolidado de R$ 38,1 milhões. O prejuízo líquido de R$ 24,4 milhões, registrado no quarto trimestre, num total contabilizado de R$ 37,7 milhões em 2007. Os motivos apresentados pela empresa para estes prejuízos são a elevação nas cotações dos óleos vegetais e a operação abaixo da capacidade industrial, esta motivada pelo volume de vendas inferior ao previsto, por conta da não-retirada do biodiesel pela Petrobrás, ao longo do ano.

A alta na matéria-prima e os baixos preços estabelecidos pela empresa para seu produto, nos leilões, tem dado, nos últimos seis meses, grandes problemas de caixa para a empresa, e, também, de credibilidade. Nos últimos 12 meses, suas ações já perderam 70% do valor e a empresa vem tendo dificuldade para conseguir rolar suas dívidas.

Muito desta situação, está na formação inicial da estratégia montada pela empresa para garantir o selo combustível social e, com isso, cair nas graças do governo, esperando uma eventual garantia de lucro, a que as empresas brasileiras vinham se acostumado a receber do governo Federal, nas gestões anteriores ao do presidente Lula, muitas vezes de forma irregular e fraudulenta. Não que este seja o caso da Brasil Ecodiesel, não, os erros dela foram de estratégia.

A Brasil Ecodiesel apostou na formação de uma rede de mais de 120 mil agricultores familiares dispersos por todo o país e distantes dos maiores mercados consumidores, com a intenção de garantir toda a matéria-prima para a produção de biodiesel. Só pra entender o tamanho da coisa, essa tentativa se equivale a uma empresa só administrar toda a cadeia de produção de fumo, por exemplo, com, hoje, 170 mil produtores.

Diferentemente de suas concorrentes, que compram boa parte de sua matéria-prima de grandes cooperativas agrícolas, a companhia decidiu ser ela, a própria cooperativa, financiando diretamente os seus associada.

Fora isso, apostou, e errou, na mamona como única fonte de matéria-prima.

Além de enfrentar dificuldades na sua produção, muitas vezes decorrentes de falta de assistência técnica por parte do governo,com uma conseqüente baixa oferta, 1/5 da necessidade para produção de biodiesel, e uma elevação de preço decorrente da procura. A alta nos preços da planta fez com que 60% dos agricultores nordestinos que fornecem o produto à Brasil Ecodiesel simplesmente vendessem a quem pagasse mais caro, ignorando os contratos com a empresa. Do ponto de vista financeiro, o uso de mamona para fazer biodiesel, se tornou um disparate.

O governo faz de conta que o biodiesel está sendo feito com mamona e também de que os pequenos agricultores estão mesmo recebendo o valor justo pela mamona que entregam para essas industrias.

Na verdade os pequenos agricultores recebem pela sua mamona um deságio bem grande (em alguns casos chega a R$ 5,00/saca de deságio sobre os preços de mercado) e mesmo assim não conseguem vender toda a sua produção. Continuam a ter baixa produtividade, pois não recebem em sua maioria nenhuma assinstência técnica como é prevista pelo programa de biodiesel com agricultura familiar, levando-os à desistência da lavoura.

Para completar o quadro de problemas, a soja, base para 80% do biodiesel produzido no país, teve alta de mais de 50% desde o início do ano, dando a derrocada final na equação financeira da Brasil Ecodiesel. Em novembro, a empresa ganhou contratos para vender o combustível por 1,86 real o litro, preço considerado insustentável. O preço causou estranheza no mercado, pois, a época do leilão, só o litro do óleo da soja, já tornava esse preço muito baixo para se produzir biodiesel, diz a concorrente. A Brasil Ecodiesel justificou a decisão, em nota enviada a revista EXAME, pelo caráter estratégico do leilão para consolidação do setor, mesmo sabendo da baixa rentabilidade, mas as vendas eram estrategicamente importantes para a consolidação do setor. Diversas outras empresas fizeram a mesma avaliação que nós.”, afirmaram os executivos da companhia.

As enormes filas de caminhões formadas nos portões das unidades de produção, principalmente na unidade de Iraquara - BA, esperando o fornecimento de biodiesel, o que muitas vezes não aconteceu, mostra de forma clara a situação da empresa. Desde maio, a empresa produz de forma intermitente, deixando muitas vezes de entregar, que está estipulado nos contratos firmados nos leilões de biodiesel da ANP, para as distribuidoras como a Petrobras e a ALE.

No caso da Petrobrás, a Brasil Ecodiesel alega que empresa não tem comprido o cronograma de recolhimento de volumes de biodiesel vendidos em dois leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Segundo fato relevante divulgado pela Brasil Ecodiesel, a estatal deixou de recolher os volumes contratados nos leilões realizados no final de 2007, quando se comprometeu a entregar 161 milhões de litros. A empresa alega que a Petrobras não recolheu os volumes de fevereiro e março deste ano.

A Brasil Ecodiesel entrou na Justiça, no dia 10 deste mês, contra a Petrobrás cobrando multas pelo não recolhimento do biodiesel, reclama, também, a suspensão de multas contratuais cobradas pela Petrobras referentes aos meses de abril, maio e junho de 2008. "Nesse período, a Petrobras encontrava-se inadimplente nos Contratos de Compra e Venda de biodiesel celebrados, o que segundo o entendimento da Brasil Ecodiesel permitiria que fosse suspensa a execução das suas obrigações contratuais, tudo devidamente notificado à Petrobras na época dos eventos", afirma o texto distribuído pela companhia.

A crise da Brasil Ecodiesel chega em um momento muito difícil para PNPB. O mercado ainda esta tentando absorver a crise da Agrenco. Com as acusações de fraude nas exportações de soja, a Agrenco suspendeu o fornecimento do grão, deixando 12% do mercado de biodiesel desabastecido. Aliado a este fato, o aumento, a partir de 1º de julho, da mistura obrigatória de biodiesel ao óleo diesel de 2% para 3%, aumentará demanda pelo biocombustível em 660 milhões de litros, só no segundo semestre.

Como não está dando conta nem dos atuais contratos, com falhas na entrega do combustível, a Brasil Ecodiesel corre o risco de ser excluída dos próximos leilões da ANP. Como os leilões são a única forma de acesso ao mercado, a punição pode ser fatal.

Como a Brasil Ecodiesel tem sido tratada pelo próprio presidente Lula, idealizador do PNPB e grande entusiasta dos biocombustíveis, como uma parceira do programa, levando à crença, por parte de muitos observadores, de uma “solução salvadora”.

Esta crença dos observadores parece não ser infundada, a Petrobras acaba de anunciar a criação de subsidiária para a área de biocombustíveis, a Petrobras Bienergia. Atualmente, a estatal é peça-chave no modelo de distribuição do biodiesel no Brasil. É ela que compra praticamente todo o óleo (97%) vendido nos leilões para depois repassá-lo às distribuidoras. É a estatal, também, que fiscaliza se as entregas estão sendo feitas no prazo e nos locais combinados com as distribuidoras. E, finalmente, é só ela, Petrobras, que define as multas para quem não cumpre os contratos firmados até o 5º leilão da ANP - a partir desse, a ANP istipulou, também, multas pelo descumprimento.

No final do ano passado, quando apareceram os primeiros sinais de dificuldade na Brasil Ecodiesel, a hipótese de comprá-la foi discutida numa reunião do conselho de administração da estatal, num pacote que incluía a aquisição de outras produtoras do setor. Mais recentemente, a proposta de compra da Brasil Ecodiesel voltou a ser discutida na Petrobras. Um grupo de trabalho chegou a ser formado para avaliar o negócio, mas nenhuma decisão ainda foi tomada. “Há um movimento no governo para salvar a Brasil Ecodiesel, e esse movimento repercute na Petrobras”, diz um executivo da empresa. A estatal não quis comentar essas informações nem esclareceu se pretende multar a Brasil Ecodiesel pelo não-cumprimento dos contratos. Por via das dúvidas, emissários da Brasil Ecodiesel já estariam sondando outras companhias do setor sobre uma possível compra ou associação - A empresa nega tal movimentação.

Desde que foi criada, em 2003, até hoje, a Brasil Ecodiesel tem uma imagem associada à figura de seu fundador, o banqueiro Daniel Birmann, que acaba de vender sua participação no banco Arbi a um sócio. Birmann também não é mais sócio da empresa, mas é em torno de seu nome que giram todas as conversas sobre a Brasil Ecodiesel no mercado de biodiesel. Herdeiro de um grupo empresarial gaúcho, Birmann já ganhou e perdeu somas consideráveis de dinheiro. Sua última boa tacada aconteceu durante o racionamento de energia no princípio da década. Exatamente no momento em que as hidrelétricas diminuíram sua produção pela falta de chuvas, o grupo comandado por ele administrava 11 termelétricas. Com a Brasil Ecodiesel, Birmann parecia ter acertado novamente. Em março de 2005, porém, outro revés: o banqueiro foi proibido pela CVM de participar de companhias abertas e foi multado em 243 milhões de reais por irregularidades na falência de uma das empresas de seu grupo. Naquele mesmo ano, ele vendeu sua participação na Brasil Ecodiesel a uma offshore, a Eco Green Solutions LCC Pouco depois, quando a Brasil Ecodiesel fez sua oferta inicial na Bovespa, o desempenho das ações foi fortemente prejudicado pela existência desse sócio oculto, que boa parte do mercado apostava ser o próprio Daniel Birmann. No mês passado, a Eco Green finalmente saiu do bloco de controle da empresa, levando Nelson Cortes da Silveira, um dos acionistas, a declarar que a ex-sócia “pesava como chumbo”. Quem sabe agora, ficando mais “leve”, a empresa encontre um parceiro — ou até um novo dono — que a permita deixar os problemas para trás.

Resumo da ópera:

Alguns fatores que mostram a gravidade da situação na Brasil Ecodiesel

  1. Maus resultados: acumula 94 milhões de reais em prejuízos, atribuídos aos custos de implantação e ao alto preço da soja, principal matéria-prima.

  2. Problemas na produção: desde maio, a empresa está entregando menos da metade do combustível prometido à Petrobras e, por isso, pode ser excluída dos leilões da ANP.

  3. Imagem comprometida: o Ministério do Desenvolvimento Agrário avalia se mantém o status de “selo social”, que comprova o uso de óleo produzido pela agricultura familiar. Se perder o selo, a empresa será excluída de 80% do mercado.

  4. Possibilidade de venda: já começaram as primeiras sondagens para vender a empresa. O comprador dos sonhos é a Petrobras, mas outras grandes companhias do setor também foram contatadas.

Fonte: Varias Fontes

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