O país pode virar o maior fornecedor de álcool para um mundo que busca alternativas ao petróleo. Saberemos aproveitar a oportunidade?
O Brasil é, novamente, o país do futuro. Depois de rodar pelo país e se encantar com o processo de produção do álcool a partir da cana-de-açúcar, Thomas Friedman, colunista do New York Times e um dos maiores especialistas em Oriente Médio, voltou para os Estados Unidos convencido de que o Brasil pode se tornar a Arábia Saudita dos biocombustíveis. A comparação com o maior exportador mundial de petróleo não é delirante. O Brasil é o país mais avançado em combustíveis de origem vegetal, também chamados biocombustíveis. Temos matéria-prima competitiva, tecnologia de ponta, um mercado maduro e espaço para crescer. Ele veio na semana passada para tratar de um acordo estratégico entre os dois países na área de energia. Em março, quem virá ao Brasil falar de combustíveis alternativos é o próprio presidente George W. Bush, cujas ligações com a indústria do petróleo são históricas.
A meta que passa pela cabeça de todos: o país tem condição de se tornar a maior potência da energia alternativa e o maior exportador mundial de biocombustível, assim como a Arábia Saudita é a maior exportadora de petróleo
A queima de gasolina e diesel lança na atmosfera dióxido de carbono, um dos gases causadores do efeito estufa. O mesmo acontece com os biocombustíveis. Mas o carbono da combustão do álcool de Biodiesel pode ser reabsorvido pela cultura, no processo conhecido como fotossíntese.. Por isso, na soma geral, eles não alteram a atmosfera. A maneira mais imediata de combater as mudanças climáticas, portanto, é substituir combustíveis fósseis, como diesel e gasolina, por biocombustíveis, como álcool e biodiesel, afirma Suzana Kahn, da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Temos um mercado sem igual. Mais de 80% dos carros novos são bicombustíveis. Usam gasolina ou álcool. A gasolina vendida nos postos vem com 25% de álcool. O país avança também em biodiesel. A partir do ano que vem, os postos venderão diesel com mistura de 2% de biodiesel produzido a partir de óleos vegetais. A Petrobras pretende suprir 80% desse mercado, comprando óleo vegetal da agricultura familiar para fazer biodiesel. A proporção chegará à 5% em 2013.
O país continua aprimorando sua tecnologia. No ano passado, a Petrobras lançou o H-bio. Ele incorpora óleo vegetal à produção de diesel.. Por meio de reatores instalados em refinarias, ele conseguiu fazer com que 1 litro de óleo de soja renda praticamente 1 litro de diesel. "O Hbio complementa a indústria do biodiesel porque vai estimular o produtor de matéria-prima. Se a Petrobras se tornar um consumidor regular, aí o mercado vai se estruturar", diz Gomes.
Alguns usineiros também estão pesquisando. A Dedini, empresa que fabrica instalações industriais para usinas canavieiras, desenvolveu uma unidade capaz de produzir álcool e biodiesel juntos. É a Barralcool, em Mato Grosso. Ela aproveita o álcool como reagente na fabricação de biodiesel de óleo de soja. Ainda queima o bagaço para gerar energia elétrica. "Acreditamos que será um ótimo negócio por causa do aproveitamento dos insumos", diz Sílvio Rangel, gerente de biodiesel da usina, localizada a 160 quilômetros de Cuiabá.
O país já virou exportador de usinas. A Dedini já vendeu quatro usinas para países do Caribe, de onde empresários locais exportam o combustível para os EUA. "A procura é até excessiva, porque não há usinas para pronta entrega", diz José Francisco Davos, vice-presidente de negócios da Dedini. O interesse e a curiosidade dos estrangeiros sobre o esse tipo de usina de álcool criou o turismo da cana. Grupos de estrangeiros chegam ao país e acrescentam passeios a modernos engenhos ao roteiro da viagem. Do início do ano até o Carnaval, a Barralcool terá recebido quase 80 estrangeiros, a maior parte dos EUA. "Antes do Carnaval chega um grupo de 42 americanos", diz o agente de turismo José Rocha Jr., de Tanguá da Serra, município onde está a usina.
Com tanta promessa, o ritmo de novos investimentos é frenético. Surgem 20 novas usinas por ano no país. O financiamento do BNDES para a indústria sucroalcooleira dobra a cada ano desde 2004. No ano passado, foram mais de R$ 2 bilhões. O banco avalia ou financia um total de 62 projetos, com investimentos de R$ 12 bilhões. Em biodiesel, há 11 projetos a caminho, com investimentos de mais de R$ 700 milhões, segundo afirma Carlos Gastaldoni, assessor da presidência do BNDES.
De acordo com a Agência Internacional de Energia, a tecnologia e a matéria-prima disponíveis hoje garantem que 20% do combustível usado em transporte no mundo todo poderia ser substituído por biocombustíveis em 2030. Quem vai atender à explosiva demanda global? Saberá o Brasil aproveitar a oportunidade?
Outra medida importante é criar uma especificação técnica única para os biocombustiveis no mundo. Sem isso, não há como vender o produto no mercado internacional. Na semana passada, Brasil e EUA concordaram em criar um padrão no álcool . A notícia é ótima para a Petrobras. A estatal já fornece para Venezuela, Nigéria e Japão, onde a lei permite misturar 3% de álcool à gasolina. Em parceria com uma empresa japonesa responsável pela importação de álcool, a Petrobras fundou uma firma, a Nippaku, para atuar no ramo. Seu plano é tornar-se uma multinacional de biocombustíveis. Para isso, negocia participações, compras e investimentos com mais de 20 usinas de álcool de grande porte no Brasil e outras duas dezenas de biodiesel. "Temos acordos de confidencialidade, mas há vários grupos na mesa de negociações. Se vamos aumentar as exportações, a garantia de fornecimento de álcool tem de ser total", disse a ÉPOCA o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.
A entrada de uma gigante como a Petrobras na bioindústria pode modificar a vida de grandes e pequenos agricultores, como o plantador de fumo Sérgio dos Santos Martins, de 52 anos, de Venâncio Ayres, no Rio Grande do Sul. Incentivado pela Afubra, a associação dos fumicultores do Brasil, Martins começou a plantar girassóis nas entressafras do fumo em seu sítio. A Afubra compra a produção e repassa 75% do lucro ao agricultor. O girassol é um dos insumos do biodiesel. Quanto mais usos tiver, mais lucro agricultores como Martins terão.
Ser um grande exportador de produtos valorizados no mercado é sempre bom. Mas pode ser fugaz. O que o Brasil precisa fazer para não repetir enredos como o do ciclo da borracha? No início do século XIX, ela era o motor da economia nacional. Até os ingleses levarem algumas sementes para suas colônias na Ásia. Plantadas de forma mais planejada, elas renderam mais que as árvores espalhadas pela selva amazônica. Depois, veio a borracha sintética e acabou com o suntuoso ciclo da borracha. A saída para evitar que o álcool tenha esse destino é investir em tecnologia.
Resta algo mais por fazer? "Marketing", diz o consultor Mario Veiga, da PSR Consultoria. "O cidadão médio americano não tem idéia de que o álcool brasileiro é melhor, mais barato, mas é taxado. Não basta ser citado como exemplo a ser copiado. Negócio é negócio. Já fomos os reis do açúcar, da borracha e do café. É a última chance que Deus está nos dando. Precisamos aproveitar esta oportunidade." Se o Brasil conseguir virar uma potência tecnológica do biocombustível, não seremos um país apenas de agricultores, como Martins, mas daremos futuro também para pesquisadores de ponta, como Jefferson. A escolha é nossa.
POR QUE É POSSÍVEL
- TEMOS AS MELHORES CONDIÇÕES de clima e solo;
- TEMOS UM PROCESSO INÉDITO para produzir diesel a partir de óleo vegetal;
- O PREÇO DO PETRÓLEO em alta torna viável o investimento em álcool e no biodiesel.
O QUE FALTA FAZER
- CRIAR UMA POLÍTICA para garantir suprimento estável de biocombustiveis, que sempre pode cair se o preço da materia prima (açucar e óleo vegetal) aumentar;
- TER GRANDES EMPRESAS dedicadas à logística para exportar álcool, biodiesel, gasolina misturada ao álcool, disel misturado com biodiesel e outros produtos agregados;
- ESTIMULAR MAIS PESQUISAS em tecnologia para descobrir como produzir álcool e biodiesel a partir de outras plantas;
- INVESTIR EM MARKETING O mundo precisa conhecer as vantagens ambientais dos biocombustiveis para que os países reduzam as restrições à importação do produto brasileiro.
O planeta está esquentando por causa da concentração crescente de gases, como o dióxido de carbono, na atmosfera. Eles retêm o calor do sol. Os combustíveis de origem vegetal evitam esse aumento de carbono na atmosfera.
- Qualquer planta, para crescer, retira carbono do ar por meio da fotossíntese. Com essas moléculas de carbono, a planta constrói suas folhas, caule e raízes.
- Usinas de álcool ou biodiesel fazem combustível a partir do vegetal. Assim, as moléculas de carbono que a planta tirou da atmosfera viram combustível.
- Os carros queimam o combustível vegetal no motor. Pelo escapamento, lançam as moléculas de carbono de volta para a atmosfera.
- As plantas, como cana-de-açúcar ou girassol, vão capturar moléculas de carbono outra vez para crescer. Isso compensa o que foi emitido pelos carros.
Fonte: Revista Época
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