Até o final do século 18 a energia necessária para construir e mover as sociedades humanas era proveniente dos escravos ou do Sol, sob a forma da energia dos ventos (que movia os navios e as moendas de grãos), as correntes fluviais (que moviam as rodas d’água) e a madeira das árvores que era usada para cozinhar ou aquecer ambientes. Carvão, petróleo e gás, que só passaram a ser usados mais recentemente, se formaram, milhões de anos atrás, de florestas e outros materiais orgânicos soterrados que sofreram transformações químicas ao longo do tempo. Hoje estamos usando-os como combustíveis fósseis como se usa uma herança, sob a forma de petróleo e gás. Por maiores que sejam estas reservas, elas não são infinitas e vão esgotar-se em razão da rapidez com que as estamos consumindo. Cerca de metade do petróleo e do gás existentes já foi utilizada. Além disso, as reservas fósseis têm muitas impurezas e, quando as queimamos, poluentes são lançados na atmosfera, provocando problemas ambientais.
É evidente, porém, que a humanidade não abrirá mão facilmente do conforto e das amenidades que combustíveis fósseis proporcionam. Eles representam hoje 80% de toda a energia que usamos, mas esta porcentagem certamente diminuirá muito nas próximas décadas.
Nestas condições, o que fazer? Uma das soluções é tentar repetir o que a natureza fez com as florestas, as algas e os animais marinhos no passado e convertê-los em combustíveis líquidos.
A cana-de-açúcar é uma candidata ideal para isso: dela se extrai um caldo que, fermentado, produz álcool, que substitui gasolina com vantagem; o bagaço restante pode ser usado como combustível para o processo industrial de fermentação e para a geração de eletricidade. Para cada litro de álcool produzido é preciso usar apenas um décimo de litro de combustíveis fósseis sob a forma de pesticidas, fertilizantes e combustível para as máquinas usadas nas plantações de cana. É por esta razão que ele é um programa de energia renovável que, no fundo, usa energia do Sol que faz a cana-de-açúcar crescer. Os americanos estão tentando fazer o mesmo com o milho, mas para cada litro de álcool é preciso usar quase um litro de combustível fóssil, de modo que o ganho ambiental é baixo. É por isso que o Programa do Álcool do Brasil (Proálcool) tem um futuro brilhante. Álcool substitui hoje 40% da gasolina que seria consumida pelos automóveis no País.
O sucesso deste programa levou o governo a tentar estimular a produção de um substituto para o óleo diesel usado pelos caminhões e ônibus, usando óleos vegetais. Em tese, a idéia é boa, mas, na prática, requer ainda muito trabalho. Os óleos vegetais mais atraentes (dendê, mamona, pinhão-manso) são pouco cultivados no Brasil e o que o governo fez foi criar um programa assistencialista (como o Bolsa-Família) para a agricultura familiar, que, em pequenos lotes, forneceria a matéria-prima. Os problemas logísticos deste programa não são fáceis de resolver. É preciso recolher a produção de centenas de milhares de pequenos fazendeiros ou assentados e levá-la a fábricas onde o produto é prensado e o óleo resultante sofre um tratamento químico.
Tendo isso em vista, não é de admirar que os produtores tenham optado por usar soja como matéria-prima, para se beneficiarem de economias de escala que a agricultura familiar não tem. A produção de biodiesel da soja, contudo, tem produtividade por hectare muito inferior à do dendê e da mamona e utiliza metanol importado na sua preparação, que é produzido a partir de combustível fóssil.
Os subsídios ainda são elevados: no último leilão para aquisição de biodiesel, o preço médio foi de R$ 1,72 por litro, sem os impostos que incidem sobre o óleo diesel comum, que, apesar destes impostos, custa apenas R$ 1,34. Quando o Programa do Álcool começou, o seu custo era também elevado, mas foi caindo à medida que a produção aumentou, e se poderia esperar que isto também aconteça com o biodiesel. Atualmente o custo de produção do biodiesel na Europa é o dobro do de diesel de petróleo e a decisão de subsidiá-lo naquele continente é política, o que gera dúvidas quanto à sua sustentabilidade.
Hoje a meta do governo é substituir 2% do diesel da Petrobrás por biodiesel, o que não cria problemas para os motores. Entretanto, para que esta porcentagem aumente será preciso estudar com cuidado o efeito que terá sobre os veículos, em testes realizados nos laboratórios do governo, como o IPT, que darão garantia aos seus produtos.
Para que o biodiesel repita o sucesso do Proálcool é preciso evitar que use apenas a soja, caso contrário, ele se tornará menos um programa de energia renovável - como o Programa de Álcool - e mais um programa para estimular as plantações de soja, que já ameaçam seriamente a floresta amazônica.
O outro problema do uso da soja é que ele nos força a escolher entre alimentos e combustíveis, que é uma armadilha da qual temos de escapar. O uso do milho para produzir álcool nos Estados Unidos já está criando sérios problemas.
A produção de óleos vegetais no Norte-Nordeste, estimulando a agricultura familiar, sobretudo a do óleo de dendê e de mamona, é uma boa idéia, mesmo porque eles têm outras aplicações industriais e elevado valor de mercado. Apesar de subsidiado, o programa poderá gerar empregos e fixará mão-de-obra no campo, o que vários países da Europa estão fazendo há muitos anos, por razões estratégicas, para reduzir as importações de petróleo.
O programa de biodiesel do Brasil ainda está na infância e poderá melhorar, mas é preciso olhar esta opção com realismo, para que se torne um programa de energia renovável, como é o etanol da cana-de-açúcar.
José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo
Fonte: Observatório do Clima
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