A escalada de investimentos para atender à mistura de 2% no diesel em 2008 sugere um fenômeno semelhante ao do etanol
Em março de 2005, a distribuidora de combustíveis mineira AleSat foi a primeira no Brasil a vender em seus postos o biodiesel, óleo concebido para substituir o diesel e feito de vários tipos de vegetal ou de gordura animal. "Na época, o objetivo era atrelar nossa imagem à modernidade e ao respeito ao meio ambiente", afirma Sérgio Cavalieri, presidente do conselho de administração da AleSat, rede com 1 100 postos que em 2006 faturou 5,4 bilhões de reais. Hoje, o interesse de Cavalieri em biodiesel vai além do marketing. Ele e outros sócios da rede pretendem investir 130 milhões de reais para entrar na produção do combustível renovável, que polui até 78% menos que o derivado de petróleo. A usina será instalada na Região Centro-Oeste e deve entrar em operação em agosto de 2008. "Minha visão de futuro é que, assim como ocorreu com o álcool, o biodiesel passará por um forte desenvolvimento tecnológico", diz Cavalieri. "Surgirão motores flex e o motorista de caminhão poderá escolher entre usar diesel, biodiesel puro e uma mistura dos dois."
Cavalieri não é o único a fazer essa aposta. Nos dois últimos anos, o biodiesel no Brasil saiu do estágio experimental para transformar-se em um mercado promissor. Um dos sinais da mudança é a escalada de investimentos. De acordo com a Associação dos Produtores de Biodiesel, os aportes em novas usinas passaram de 100 milhões de reais em 2005 para 600 milhões no ano passado. Neste ano, o setor está ainda mais aquecido e deve fechar com 1,2 bilhão de reais investidos. O dinheiro vem de diferentes fontes. Em março, a agroindustrial Caramuru deve colocar em funcionamento uma usina em Goiás, orçada em 42 milhões de reais e com capacidade de produzir 100 milhões de litros por ano. O grupo Bertin, mais conhecido pela atuação no setor de carnes, está em fase de testes dos equipamentos de sua usina em Lins, no interior de São Paulo, para fabricar o combustível com sebo de gado. O objetivo do Bertin é abastecer sua frota de 700 caminhões e obter excedente para vender no mercado. A Petrobras, que nunca entrou na produção de álcool, anunciou que até 2011 quer ser líder na produção de biodiesel no país. A estatal aprovou a construção de três usinas -- em Minas Gerais, na Bahia e no Ceará --, ao custo total de 180 milhões de reais. Grandes multinacionais do agronegócio também estão marcando posição no setor. A americana ADM, uma das maiores produtoras de grãos do mundo, deve começar a operar até junho uma usina em Rondonópolis, em Mato Grosso. A francesa Dreyfus anunciou um projeto de 150 milhões de litros, e a Cargill e a Bunge planejam entrar no negócio no próximo ano.
Entre os estrangeiros há investidores menores, como o jovem fazendeiro americano Tyler Bruch. Bruch, que vive há quatro anos no Brasil e administra mais de 4 000 hectares em fazendas de soja, algodão e milho, levantou 35 milhões de dólares com um grupo de 15 agricultores americanos e um fundo de investimento europeu. O capital será empregado na Global AG Biodiesel, usina que começará a funcionar em abril do próximo ano na cidade de Luiz Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia. "O mundo está mudando e a demanda por biocombustíveis só vai aumentar", afirma Bruch. "É uma oportunidade enorme para o Brasil, porque o país tem condição de produzir diversas matérias-primas usadas na produção de biodiesel."
A corrida de investimentos foi motivada pela criação, em 2004, de um programa federal que estabeleceu a obrigatoriedade da mistura de pelo menos 2% de biodiesel ao diesel em todo o país a partir de 1o de janeiro de 2008. A mistura obrigatória subirá para 5% em 2013, o que deve gerar demanda anual de 2 bilhões de litros de biodiesel. O programa também concede redução de tributos federais para fabricantes que utilizam matérias-primas de pequenos produtores rurais. "O objetivo é gerar emprego e renda no campo, principalmente no Norte e no Nordeste", afirma Roberto Ardenghy, da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Esse tipo de subsídio levou muita gente a apostar que o biodiesel estivesse fadado a ser um mercado puramente experimental, voltado exclusivamente para o pequeno agricultor, e que só sobreviveria à custa de dinheiro público. O que se vê hoje é um número crescente de grandes empresas -- algumas das maiores do setor em todo o mundo -- entrando no jogo. A capacidade de produção das usinas em funcionamento alcançará até o final deste ano 1,2 bilhão de litros, ultrapassando os 800 milhões necessários para cobrir o consumo previsto.
Diferentemente do que ocorreu com o etanol -- combustível em que o Brasil ocupa a dianteira mundial em tecnologia e produção --, no caso do biodiesel o país largou atrasado. A Alemanha lidera a produção e o consumo do produto, com demanda superior a 2 bilhões de litros em 2006. As primeiras experiências dos alemães começaram há 20 anos. Hoje, os postos do país já vendem até biodiesel puro, o chamado B-100. A maior usina do mundo, da americana ADM, fica em Hamburgo, com capacidade para 600 milhões de litros por ano. Nos Estados Unidos, o movimento começou mais tarde; porém, o avanço é rápido. Em 2005, havia 35 usinas no país. Hoje são 105. Vários estados americanos vêm estimulando a adoção de fontes de energia limpa, com cortes de imposto sobre o combustível alternativo.
O INTERESSE DE PAISES desenvolvidos no biodiesel resulta de uma conjunção de fatores. O primeiro deles é a necessidade de reduzir a dependência do petróleo, combustível finito e cujas maiores reservas estão em regiões politicamente complicadas, como o Oriente Médio. Essa situação faz com que o preço do petróleo esteja sujeito a oscilações fortes. Para completar, seus derivados estão entre os principais emissores de gases causadores do efeito estufa. Com o aumento das pressões ambientais, o mundo resolveu empenhar-se na substituição de combustíveis fósseis por renováveis e menos poluentes. A União Européia convocou os 27 países membros a substituir por biocombustíveis até 2020 pelo menos 10% do volume de combustíveis fósseis usados em veículos. Há poucas semanas, o presidente George W. Bush anunciou uma meta ainda mais ambiciosa: substituir 20% da gasolina consumida nos Estados Unidos por biocombustíveis.
O que se vê, portanto, é que a criação da indústria local de biodiesel segue uma tendência global -- bem diferente do que ocorreu com o etanol, durante muito tempo uma especificidade brasileira. "Não se trata de um programa isolado, como foi o Proálcool", afirma José Luiz Olivério, diretor de desenvolvimento e tecnologia da paulista Dedini, fabricante de equipamentos para usinas. Um dos motivos que colaboram para a disseminação do biodiesel é que ele pode ser produzido com vários tipos de matéria-prima -- soja, canola, girassol, pinhão-manso, mamona, dendê, além de gordura animal. "O caminho das matrizes energéticas renováveis é irreversível", diz Rogério Barros, diretor comercial da divisão de biodiesel do grupo Bertin. "O Brasil tem potencial para ser um dos maiores produtores e exportadores mundiais de biodiesel." Segundo Barros, o Bertin planeja exportar parte de sua produção. Há quem considere que o produto brasileiro irá enfrentar barreiras para entrar nos mercados europeu e americano. "Esses países tendem a estimular a produção local de biocombustíveis como forma de compensar a perda de mercados de alimentos, devido às sanções aplicadas pela Organização Mundial do Comércio por causa dos subsídios rurais", afirma José Carlos Hausknecht, da MB Agro Consultoria.
De qualquer forma, o mercado brasileiro de biodiesel ainda está longe de ser explorado plenamente. "Além de benefícios ambientais, essa indústria gerará ganhos econômicos", diz Plinio Nastari, consultor especializado em biocombustíveis. Um benefício possível diz respeito ao volume de importação de diesel. Dos 40 bilhões de litros consumidos por ano no Brasil, 10% são importados, uma conta de 1 bilhão de dólares. Esse número tende a cair na proporção em que cresce a produção local de biodiesel. "Estamos vendo surgir um grande negócio, tanto para as empresas como para o país", afirma Nastari.
Por Roberta Paduan
Fonte: Revista Exame
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