Dois documentos recentes, do Banco Mundial (Bird) e da Organização das Nações Unidas (ONU), alertam que a expansão dos biocombustíveis nos continentes pode provocar aumento significativo no preço dos alimentos e agravar o desmatamento e a disputa por terras e água.
O documento da ONU chega a sugerir um acordo internacional que suspenda por cinco anos o avanço do setor.
“A medida é necessária para que haja tempo suficiente de pensar tecnologias e estabelecer estruturas reguladoras de proteção contra os efeitos negativos ambientais, sociais e para os direitos humanos”, diz no texto o relator da ONU para Segurança alimentar, Jean Ziegler, que leu a avaliação na assembléia geral da entidade realizada em setembro. Na oportunidade, ele defendeu modelos de produção de biocombustível baseados em dejetos agrícolas, resíduos de cultivos e arbustos não alimentícios.
Na abertura do evento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou contestando a tese, com o Brasil como exemplo. “A cana-de-açúcar ocupa apenas 1% de nossas terras agricultáveis, com crescentes índices de produtividade. O problema de fome no planeta não decorre da falta de alimentos, mas da falta de renda”, disse, para concluir: “É plenamente possível combinar biocombustíveis, preservação ambiental e produção de alimentos.”
O relatório do Bird, intitulado Agricultura para o Desenvolvimento, foi divulgado há nove dias. Apesar de listar os mesmo riscos apontados pela ONU, ressalva a capacidade do biocombustível de contribuir, diante das mudanças climáticas, para a redução da dependência do petróleo.
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de etanol (12 milhões de toneladas em 2006, a partir da cana-de-açúcar), atrás apenas dos Estados Unidos, que utilizam o milho como base. Os presidentes dos dois países assinaram em março acordo em que se comprometem a incrementar a produção.
Também cresce a fabricação de biodiesel mediante a utilização de óleos vegetais. O estudo da ONU classifica como possível “desastre” a conversão de culturas de alimentos em combustíveis para automóveis sem examinar os efeitos sobre a fome no mundo. O direito à alimentação adequada implica que todas as pessoas tenham acesso físico e econômico em todo momento a alimentos suficientes do ponto de vista nutritivo.
Para Ziegler, “os mitos da imagem verde e pura do bioetanol e do biodiesel são utilizados para mascarar relações político-econômicas entre a terra, os recursos de um povo e os alimentos”.
Em sua tese, o relator da ONU cita pesquisa do Instituto de Investigação sobre Políticas Alimentares (Iipa) segundo a qual, diante da expansão dos agrocombustíveis, até 2020 haveria acréscimo de 30% no preço do trigo, 41% no do milho, 76% no da soja e 135% no da mandioca. Nas projeções do Iipa, cada ponto percentual acrescido no preço médio dos alimentos básicos resultaria em mais 16 milhões de pessoas em condição de desnutrição.
Jean Ziegler defendeu, na assembléia das Nações Unidas, que a alta dos alimentos, além de ameaçar sobrevivência de quem tem renda suficiente apenas para comer, só viria a beneficiar os produtores agrícolas pobres se fossem adotados modelos cooperativos que garantam mais lucratividade a eles. Além disso, teria como efeitos a intensificação da disputa por terras e recursos naturais, como as reservas florestais.
Grandes empresas agroindustriais tenderiam, segundo Ziegler, a fazer com que pequenos proprietários fossem despejados a força. “Existe o risco de que, dada a competição por terras com os agricultores independentes, a produção de biocombustíveis possa produzir maior desemprego”, escreveu, no relato apresentado à ONU.
Para a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), cabe aos governos dos países criar políticas reguladoras para o setor.
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