quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Optar entre soja e dendê para biodiesel faz diferença "colossal", alerta Sachs

No segundo trecho da entrevista à Agência Brasil, o economista Ignacy Sachs defende que no Brasil, como nos outros países, o crescimento econômico tem de ser aliado da sustentabilidade social e ambiental.

Sachs se afirma favorável à produção dos biocombustíveis a partir da agricultura familiar e avalia que há “diferenças colossais” entre o modelo que opte pelo dendê e o que se baseie na soja, por exemplo. Para ele, o Estado precisa definir critérios e políticas que empurrem a atividade no rumo “virtuoso” e não no “perverso”.

Agência Brasil: Em países em desenvolvimento, como o Brasil, o crescimento econômico pode ser aliado de medidas socialmente sustentáveis?
Ignacy Sachs: Tem que ser. Não é possível continuar crescendo aqui de maneira a marginalizar ainda mais os agricultores familiares, por exemplo. Nós temos que nos dar conta que há dois grandes desafios a enfrentar: as mudanças climáticas e o déficit crônico de oportunidades de trabalho recente. E não podemos nos dar o luxo de sacrificar um no altar do outro.

ABr: Como enfrentar esses desafios no caso brasileiro?
Sachs: Por exemplo, sou muito favorável à produção dos biocombustíveis a partir da agricultura familiar, mas não posso perder de vista o fato de que é bem possível que isso caminhe pelo caminho oposto, via produção a partir da soja, e não de dendê, por exemplo. As diferenças sociais seriam colossais. Portanto, no momento de definir planos, de tomar decisões, cabe ao Estado definir critérios e adequar instrumentos de políticas públicas que empurrem a coisa no caminho virtuoso em vez de deixar que se façam no caminho perverso.

ABr: Como o governo brasileiro está se saindo nesse contexto?
Sachs: A posição do governo me parece positiva, mas é preciso botar o bloco na rua. A mensagem é essa: já que se quer realmente caminhar no bom caminho, é preciso não perder tempo demais, porque os outros, aqueles que preferem o caminho perverso, estão atrás de uma oportunidade econômica enorme. O problema vai se definir nos próximos anos.

ABr: O empresariado vem demonstrando um empenho cada vez maior no desenvolvimento sustentável. Há outros tipos de interesse por trás?
Sachs: Primeiro, há uma certa distância entre o discurso e a realidade. Segundo, empresas que pensam em longo prazo deveriam considerar seriamente tanto a dimensão ambiental quanto social porque o seu negócio pode, da noite para o dia, periclitar [estar em perigo] tanto por uma quanto por outra causa.

Para as empresas que dependem, por exemplo, de abastecimento de madeira, a existência de um poderoso movimento dos sem-terra não pode não mudar a maneira de pensar deles; e não é por acaso que, quase todas as companhias de papel e celulose no Brasil estão hoje se abrindo à idéia de contratos de fomento aos pequenos agricultores familiares. Mesmo que não seja mais barato, a questão é ponderar os riscos de uma exclusão social, por exemplo. Portanto, uma empresa que quer trabalhar no longo prazo tem que cuidar de evitar riscos ambientais e sociais que podem comprometer seu trabalho. Há um raciocínio de compromissos.

Fora isso, pode haver certo compromisso com o futuro do país, com o futuro da nação; não vamos simplificar os problemas tratando as empresas como "feras". É óbvio que no Brasil a gente tem que abrir a discussão com as empresas e testar até onde elas estão dispostas a ir na boa direção. É preciso utilizar as três ferramentas: incentivos fiscais, medidas administrativas e o diálogo.

ABr: É possível falar em perspectivas para concretização dessa proposta de desenvolvimento que contemple as três dimensões – social, ambiental e econômica?
Sachs: Em alguns lugares, em alguns momentos, isso já está acontecendo; não é uma visão puramente abstrata. Não dá para ter esse nível de generalidade e dizer: acontece ou não acontece. São diretrizes a partir das quais a gente deve analisar situações concretas e quase sempre se chega à conclusão que não existe preto nem branco, existem inúmeras quantidade de matizes cinzentas. Essa é a realidade.

Leia o primeiro trecho da entrevista


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