1 Introdução
Estudos sobre o emprego de fontes renováveis de energia têm sido intensificados nos últimos anos, motivados especialmente pela escassez e alta do preço do petróleo bem como pelas preocupações sobre as mudanças climáticas globais. Entre as fontes renováveis tem recebido grande atenção a biomassa, como no caso da produção de biodiesel.
A produção e o uso do biodiesel têm sido bastante incentivados pelo Governo Federal através do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), bem como pelos governos de diversos Estados e municípios. O incentivo dos governos ao biodiesel se caracteriza por um forte cunho social. O biodiesel também pode ser importante para reduzir a importação de óleo diesel e pode representar uma importante oportunidade de desenvolvimento econômico para diversas regiões do País.
O biodiesel pode ser obtido a partir de óleos vegetais, gorduras de origem animal e até mesmo de óleos usados em frituras. O Brasil possui uma grande variedade de oleaginosas com possibilidade de extração de óleos vegetais para a produção de biodiesel em larga escala (Nogueira e Pikman, 2002), além do sebo bovino e outras gorduras de origem animal. Algumas das oleaginosas são: soja, dendê (palma), mamona, babaçu, caroço de algodão, girassol, canola, pinhão manso e amendoim.
No Semi-Árido do Nordeste do Brasil a produção de biodiesel a partir do óleo de mamona tem recebido grande destaque. Entretanto, além da mamona, existem diversas outras oleaginosas adaptadas ao clima desfavorável da região, tais como a oiticica, catolé e pinhão manso, cujo potencial ainda precisa de mais estudos.
Este trabalho tem o objetivo de contribuir para uma melhor compreensão do potencial do uso do pinhão manso para a produção de biodiesel. Os resultados preliminares apresentados neste estudo podem servir de subsídio para a inserção do pinhão manso na cadeia produtiva do biodiesel.
2 Pinhão Manso
O pinhão manso (Jatropha curcas L.) pertence à família das euforbiáceas, a mesma da mamona, e é uma espécie nativa do Brasil. Pode ser cultivado em áreas de solos pouco férteis e de clima desfavorável à maioria das culturas alimentares tradicionais, como por exemplo, no Semi-Árido nordestino. A oleaginosa é bastante resistente à seca e pouco suscetível a pragas e doenças. É um arbusto que pode atingir mais de 3 metros de altura em condições especiais. A Figura 1 ilustra
o arbusto e os frutos do pinhão manso.
Figura 1. (a) Arbusto do pinhão manso e (b) frutos em estágio de maturação.
Uma das principais vantagens do pinhão manso é o seu longo ciclo produtivo que pode chegar a 40 anos e manter a média de produtividade de 2 ton/ha (Azevedo, 2006). Por ser perene, também contribui para a conservação do solo e reduz o custo de produção, fator importante para sua viabilidade econômica, especialmente na agricultura familiar.
Os frutos do pinhão manso são cápsulas que contêm em seu interior as sementes. As se-mentes são escuras quando maduras, dentro das quais se encontra uma amêndoa branca, conforme ilustrado na Figura 2. As sementes secas medem de (1,5 a 2) cm de comprimento, variando de acordo com as condições de cultivo. As sementes descascadas são ricas em óleo e foram usadas neste trabalho para uma avaliação preliminar da produção de biodiesel a partir de seu óleo, conforme apresentado na próxima seção.
Figura 2. Sementes de pinhão manso maduras com casca e descascadas.
3 Resultados e Discussão
3.1 Extração e Caracterização do Óleo
A determinação do teor de óleo em uma oleaginosa normalmente é feita por extração por prensagem seguida de extração por solvente, ou diretamente por extração com solvente empregando uma montagem de laboratório com soxhlet. Este método consiste na lixiviação do óleo contido na material em estudo através de ciclos de contato com um determinado solvente, como por exemplo, o n-hexano. A extração por solvente é preferida porque a extração por prensagem não apresenta uma eficiência satisfatória.
Neste trabalho, para a determinação do teor de óleo no albúmem foi empregada a extração direta com n-hexano. Foram escolhidas aleatoriamente diversas sementes da amostra recebida da ACS Sementes. Após serem descascadas, as amêndoas foram trituradas para aumentar a superfície de contato com o solvente, e submetidas a um processo de secagem, o qual foi efetuado numa estufa a 60°C por um período de tempo suficientemente longo para que a massa da amostra permanecesse constante entre duas pesagens.
A amostra de amêndoas secas e trituradas, de cerca de 15 g, foi acondicionada no soxhlet e extraída com cerca de 80 mL de n-hexano por um período de duas horas a uma temperatura de 80°C. Após o término da extração o solvente foi separado do óleo por destilação. A massa de óleo obtida foi então comparada com a massa de amêndoas empregada na extração. O procedimento foi repetido quatro vezes, obtendo-se um teor médio de óleo de 42% na amêndoa. Foi observada uma variação de cerca de 3% no teor de óleo entre as diversas extrações. Diversos fatores podem ter contribuído para isso, tais como a variabilidade genética na amostra recebida, as diferentes condições de cultivo e o estado de maturação e conservação dos frutos.
O óleo extraído apresentou uma coloração amarelada, conforme ilustrado na Figura 3(a). O óleo obtido foi parcialmente caracterizado, conforme apresentado na Tabela 1. A acidez foi determinada por titulação conforme a norma ASTM D 664. A massa específica foi medida a 20°C em um densímetro de bancada Anton Paar DMA 4500. A viscosidade cinemática foi medida a 40°C em um viscosímetro Cannon-Fenske empregando um banho Koehler modelo K23800. A composição foi determinada em um cromatógrafo a gás CG Master empregando uma coluna capilar PEG 530 μm × 60 m.
Na Tabela 1 também é apresentada a caracterização de um óleo de pinhão manso obtido em um processo industrial de extração por prensagem e estocado por várias semanas, fornecido pela E2C Consultoria. Como pode ser observado na Tabela 1, esse óleo apresentou elevado teor de acidez. A Figura 4 mostra o cromatograma do óleo de pinhão manso. Os resultados mostrados na Tabela 1 concordam com os valores apresentados por Vedana (2006).
Figura 3. (a) Amostras de óleo de pinhão manso e (b) de biodiesel do óleo de pinhão manso.
Tabela 1. Propriedades do óleo de pinhão manso.
Figura 4. Análise por cromatografia em fase gasosa (GC) do óleo de pinhão manso.
3.2 Produção do Biodiesel
O biodiesel do óleo de pinhão manso foi produzido por transesterificação metílica a 60°C, relação molar álcool/óleo de 6/1, com 0,5 % de hidróxido de sódio em relação à massa de óleo, sob agitação durante uma hora. No caso do óleo industrial, devido a sua alta acidez (Tabela 1), foi realizado um pré-tratamento por esterificação (Gerpen, 2005) com uma relação molar álcool/óleo de 6/1 e com 0,5% em volume de ácido sulfúrico como catalisador, a 60°C, com agitação durante uma hora, reduzindo assim a acidez para níveis em que fosse possível o uso de catálise alcalina (Tabela 1).
Após a reação de transesterificação, o glicerol foi separado do biodiesel por decantação durante 2 horas. O excesso de álcool foi separado do biodiesel por destilação e o biodiesel purificado por lavagem com água destilada e deionizada para a remoção de resíduos de catalisador, sabão, sais, álcool e glicerina livre. Finalmente, o biodiesel foi submetido a um processo de secagem por aquecimento e tratamento com sulfato de sódio. Na Figura 3(b) é apresentada uma amostra do biodiesel de pinhão manso.
Tabela 2. Propriedades do biodiesel de pinhão manso.
Algumas propriedades do biodiesel sintetizado foram medidas e são comparadas com as especificações da Portaria ANP N° 42/2004 e com as especificações do óleo diesel mineral (petrodiesel) na Tabela 2. As análises de massa específica, viscosidade e acidez foram efetuadas conforme descrito na seção 3.1. O ponto de fulgor foi medido segundo a norma ASTM D 93 em um equipamento da marca Herzog, modelo HFP 360.
Conforme pode ser observado na Tabela 2, a viscosidade do biodiesel é significativamente menor do que a viscosidade do óleo vegetal (Tabela 1). As propriedades fluidodinâmicas do biodiesel de pinhão manso, massa específica e viscosidade, também atendem às especificações do petrodiesel. O ponto de fulgor, parâmetro importante para a segurança durante o manuseio do combustível, apresentou valor dentro das especificações da Portaria 42/2004.
4 Conclusões
Através do uso da extração com hexano foi determinado que as amêndoas das sementes de pinhão manso apresentaram um teor médio de óleo de 42%, em base seca. Foi observada uma variabilidade de 3% no teor de óleo entre diferentes tipos de amostras que foi atribuída a diversos fatores, tais como: variabilidade genética, graus de maturação variados e diferentes estados de conservação
dos frutos. O óleo obtido apresentou cor amarelada.
Para a produção de biodiesel, a esterificação mostrou-se satisfatória para a redução da acidez livre na amostra de óleo industrial. O biodiesel produzido por transesterificação metílica apresentou massa específica, viscosidade cinemática, ponto de fulgor e índice de acidez dentro dos padrões estabelecidos pela ANP tanto para o B100 como para o óleo diesel de petróleo.
5 Agradecimentos
Os autores agradecem o suporte financeiro da ANP e da FINEP. Os autores também agradecem a Carlos Ramiro Coutinho Bartolomeu da ACS Sementes e a Eduardo Carpentieri da E2C Consultoria pelo fornecimento de amostras de sementes e de óleo de pinhão manso. J.C.M. também agradece à CAPES pela concessão de uma bolsa de mestrado e W.B. Jr agradece à FINEP pela concessão de uma bolsa ITI.
Referências bibliográficas
Azevedo, H., 2006. “Pinhão manso é lançado pelo presidente Lula como opção para o
biodiesel – Vegetal é de fácil cultivo”. Hoje em Dia, 8 a 14/01/2006, Brasília-DF.
Gerpen, J.V., 2005. Biodiesel processing and production. Fuel Processing Technology,
86, 1097-1107.
Nogueira, L. A. H.; Pikman, B., 2002. Biodiesel: Novas Perspectivas de Sustentabilidade.
Agência Nacional do Petróleo, Conjuntura & Informação, N° 19, 1-4.
Vedana, U., 2006. “Tudo sobre Pinhão Manso – Jatropha curcas”. Disponível onlineem http://www.pinhaomanso.com.br/.
Autores
Meloa, James C.;
Brander Jra, Walter;
Camposa, Ronaldo J.A.;
Pachecoa, José G.A.;
Schulerb, Alexandre R.P.;
Stragevitcha,*, Luiz
Laboratório de Combustíveis;b
Laboratório de Cromatografia Instrumental
Departamento de Engenharia Química – Universidade Federal de Pernambuco
Av Artur de Sá, S/N – Cidade Universitária – 50740-521 – Recife – PE; * Luiz@ufpe.br
Fonte:
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