sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

Os falsos créditos do carbono no biodiesel de Jatrofa no sul de África

De acordo com as regras internacionais, nenhum dos gases com efeito de estufa ligados à produção de biocombustíveis será atribuído ao sector dos transportes. As emissões decorrentes da produção do biocombustível serão levadas à conta das emissões da agricultura e indústria e/ou sector energético. Do mesmo modo, todas as emissões provenientes do cultivo e refinação nos países do Terceiro Mundo, serão levadas à conta das emissões desses países, portanto um país, como o Reino Unido, que importe o biocombustível pode utilizá-lo para melhorar a sua quota de gases com efeitos de estufa. Isto permite que as nações importadoras ricas possam reduzir parte das suas emissões e reclamar os louros por fazê-lo ao abrigo do Acordo de Quioto [33]. Foi assim que surgiram as plantações de árvores Jatrofa no Malawi e na Zâmbia.

A Jatrofa é uma planta resistente à seca que exige pouca ou nenhuma utilização de pesticidas ou fertilizantes. As sementes de Jatrofa podem ser colhidas três vezes por ano, e os subprodutos podem ser utilizados para fabricar sabão e até medicamentos. A refinação é feita na África do Sul. Muitos agricultores mudaram do tabaco para a Jatrofa, o que se considera ser uma coisa boa, visto que o tabaco é uma cultura muito agressiva para o ambiente. Até agora, há 200 000 hectares de Jatrofa no Malawi e 15 000 hectares na Zâmbia, quase todos sob um arrendamento formal ou acordos com a companhia D1-Oils, com sede no Reino Unido.

O sul da África é uma das regiões mais vulneráveis do mundo à mudança climatérica. Todos os modelos climatéricos prevêem que a região (não incluindo a maior parte da África do Sul, o Lesoto e a Suazilândia) virá a ser muito mais quente e mais seca, com secas mais frequentes e mais rigorosas, intercaladas por inundações mais graves. Isto pode provocar enormes perdas de colheitas e o colapso da produção alimentar.

Cerca de 80 por cento da população da Zâmbia depende da biomassa para todas ou para a maioria das suas necessidades energéticas, e só 12 por cento têm acesso à electricidade. No Malawi, 90 por cento da produção básica de energia provêm da biomassa, ou seja, da lenha e do carvão. A maioria dos rurais dependem da queima da lenha, muitas vezes em fogões pouco eficientes, que provocam grande poluição e são uma das principais causas de doenças e mortes. As mulheres e as raparigas são as mais afectadas.

As plantações de Jatrofa podem ter graves impactos na protecção dos alimentos e da energia da região, principalmente se se expandirem. Até agora, ainda não se fez qualquer análise do ciclo de vida nem qualquer estudo de sustentabilidade do biocombustível da Jatrofa.

Necessidade agora de uma auditoria transparente do ciclo de vida, da avaliação do impacto ambiental e de um esquema de certificação obrigatória.

É bastante óbvio que os biocombustíveis actualmente têm origem em formas muito diferentes, em que a maioria não é neutra em carbono. Há a necessidade agora de um estudo transparente do ciclo de vida de energia e de emissões de carbono e de outros critérios de sustentabilidade que englobem os impactos sobre a saúde, o ambiente e o bem-estar social. Muita gente reclama um esquema de certificação obrigatória baseado em critérios claros de sustentabilidade que salvaguardem os ecossistemas florestais mais sensíveis assim como a fertilidade a longo prazo das nossas terras e do nosso solo. Estes critérios também deviam garantir a soberania alimentar (o direito à segurança no abastecimento dos alimentos preferidos pela população) e os correspondentes direitos à terra e ao trabalho para todos.

Temos muitas alternativas renováveis e sustentáveis aos actuais biocombustíveis como se descreve no Relatório Energético do ISIS [34] ( Which Energy? ). Propusemos reunir estas opções numa 'Quinta de Sonho 2' [35] sem desperdícios de alimentos nem de energia ( Dream Farm 2 - Story So Far , SiS 31). Uma das tecnologias nucleares utilizada é a digestão anaeróbica, que transforma os desperdícios (e poluentes ambientais) em nutrientes de culturas e pastagens e em energia sob a forma de biogás, composto em 60 por cento ou mais por metano, que pode ser utilizado tanto para alimentar carros como para produzir electricidade.

Estimei que se todos os desperdícios biológicos e do gado na Grã-Bretanha fossem tratados com digestores anaeróbicos obter-se-ia mais de metade do combustível de transporte do país [36] ( How to be Fuel and Food Rich under Climate Change , SiS 31). É verdade que os veículos precisam de um motor diferente, mas já existem carros desses no mercado, e os carros alimentados a biogás de metano têm descargas tão limpas que foram eleitos como os carros ambientais do ano em 2005.

O mais significativo de tudo é que a 'Quinta de Sonho 2' funciona totalmente sem combustíveis fósseis. Conforme diz Robert Ulanowicz, professor de teoria da ecologia, "Aposto que as pessoas ficarão surpreendidas com a rapidez com que podem baixar os níveis de dióxido de carbono na atmosfera se deixássemos de queimar combustíveis fósseis".

Por Mae-Wan Ho [*]
O original encontra-se em http://www.i-sis.org.uk/BiofuelsBiodevastationHunger.php Tradução de Margarida Ferreira.
Fonte: Aamuta
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