José Dirceu, ex-ministro chefe da Casa Civil
Chegou a hora de o governo regular o setor sucroalcooleiro e a expansão da cultura de cana- de-açúcar, dirigida para a produção de açúcar e álcool, o etanol. Por todo país, centenas de centrais ou usinas sucroalcooleiras estão sendo construídas. E já se fala em mais 6 milhões de hectares de novas plantações de cana-de-açúcar e de oleaginosas para a produção de biocombustíveis, o biodiesel.
Certamente, vão surgir novos problemas, que vão se somar às velhas mazelas sociais do cultivo da cana-de-açúcar: poluição nas cidades vizinhas aos canaviais que são queimados para corte; péssimas condições de trabalho, de moradia, de alimentação, e baixos salários dos quase 1 milhão de trabalhadores rurais cortadores de cana; ameaça de monocultura e eliminação da produção de alimentos em algumas regiões do país; degradação do meio ambiente; compra de terras por empresas estrangeiras e risco de desnacionalização do setor.
Nada justifica esse cenário. Ainda mais que o aumento da produção de açúcar e álcool, e do biodiesel, amplia as possibilidades desse setor, que já são muito relevantes, seja na geração de emprego, seja na exportação não só de produtos (açúcar e etanol), mas também de tecnologia e serviços. Sem falar nos benefícios ambientais da substituição da gasolina e do diesel, ou seja, do petróleo. Somos um ator internacional importante e não podemos deixar que essa oportunidade seja perdida por falta de regulação e planejamento.
Faz-se necessária, de imediato, uma política nacional de zoneamento agrícola para a cana-de-açúcar e as oleaginosas, para evitarmos a monocultura, a expulsão da produção de alimentos e a degradação de terras. Além do zoneamento, é necessário exigir, dos plantadores de cana e de oleaginosas, a proteção das matas ciliares e um percentual de reflorestamento. A política reguladora deve, ainda, impedir o controle por estrangeiros de terras não apenas nas zonas de fronteira, como já proíbe a Constituição, mas em todo território nacional. Não devemos vacilar em impor limites a essas compras, e proteger a empresa nacional. Trata-se de uma questão de segurança energética nacional que exige uma política nacional e um órgão ou empresa que regule o setor.
Não podemos perder a oportunidade de vincular a produção, por exemplo, de biodiesel, à pequena propriedade familiar e aos assentamentos de reforma agrária, organizando cooperativas e as associando a empresas privadas dentro de uma política nacional. Não se trata de estatizar o setor, que é privado e continuará privado, mas de apoiá-lo com medidas tributárias e de crédito, via BNDES, e com uma grande empresa, como a Petrobras, que poderá colocar toda sua força para dar suporte à produção, comercialização e exportação do etanol e biodiesel.
Com relação à questão social, esperamos que o governo, empresários e sindicatos criem já uma mesa nacional de negociação para estabelecer um piso nacional salarial e condições de moradia, alimentação e segurança dignas para os trabalhadores rurais cortadores de cana, antes chamados de bóias- frias. Que o Ministério do Trabalho exerça seu papel fiscalizador, e lidere esse processo junto com as centrais sindicais, particularmente a Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas (Contag), e as entidades empresariais do setor sucroalcooleiro e canavieiro. A mecanização do setor deve ser incentivada ao lado de políticas de capacitação e formação de mão-de-obra, já que, com o crescimento do emprego, esses trabalhadores poderão ser recolocados.
Cabe ao governo e ao Congresso Nacional fazerem um marco regulatório para o setor, para que essa nova oportunidade não se transforme, como outras em nossa história, em degradação do meio ambiente, destruição da pequena propriedade, trabalho servil, concentração de renda e formação de grandes cartéis e monopólios. O Brasil não pode crescer sem melhorar as condições de vida de seu povo. Para isso é que existe o Estado e a regulação.
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