sexta-feira, 1 de junho de 2007

Presidente da Petrobras defende petróleo e diz que centro de pesquisa da empresa é versão contemporânea da Escola de Sagres


A edição de março da revista Pesquisa Fapesp trouxe a entrevista "Não vamos agora demonizar o petróleo", feita por Mariluce Moura com José Sérgio Gabrielli de Azevedo. O entrevistado, de 57 anos, está há dois no comando da Petrobras. Sob sua gestão, a maior estatal brasileira conseguiu encerrar 2006 com números respeitáveis: apesar das dificuldades políticas que enfrentou principalmente com a Bolívia, lucrou R$ 25,9 bilhões e seu valor de mercado atingiu a cifra de R$ 230 bilhões, 33% a mais do que em 2005. Antes de chegar à empresa, onde ocupou primeiro o cargo de diretor financeiro e de relações com investidores, Gabrielli, que é doutor pela Universidade de Boston, dirigiu a Faculdade de Economia e foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Também teve uma breve passagem pelo jornalismo, área em que atuou como editor de internacional do jornal Tribuna da Bahia. No terreno político, militou no movimento estudantil do final da década de 1960 — o que lhe garantiu uma temporada na prisão em 1970 —, ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) e concorreu ao governo baiano em 1990 contra o poderoso Antonio Carlos Magalhães.

A pergunta que abre a entrevista toca em um assunto que está na ordem do dia: o futuro da sociedade moderna diante do problema da mudança climática. Ao ser questionado sobre o discurso pró-proteção do meio ambiente que fez durante um evento realizado no Fórum Econômico de Davos, em janeiro, Gabrielli disse que é fundamental para as empresas de petróleo e energia elétrica discutir as questões da mudança climática, do crescimento da demanda de petróleo e da conservação energética. Ele lembrou que o uso de combustíveis como o gás natural, o carvão e o óleo para geração de energia elétrica é a maior fonte de emissão de gases tóxicos na atmosfera, seguida pelos automóveis e pelos desmatamentos e queimadas. Por isso, afirmou que o aquecimento global deve ser combatido por meio da identificação das várias fontes de emissão e da adoção de políticas específicas para cada uma delas, e não pela escolha e demonização de um único culpado — no caso, o petróleo.

Na visão do presidente da Petrobras, "a vida humana moderna" — incluem-se aí os transportes, a geração de energia, a indústria petroquímica — "não existe sem o petróleo" e continuará nessa situação por pelo menos mais algumas décadas. Como fazer, então, para aliar essa dependência à necessidade urgente de diminuir a poluição atmosférica? "Não existe simplesmente um como", disse à repórter da revista Pesquisa Fapesp. Segundo ele, a solução para esse paradoxo passa pela diminuição dos impactos da produção do petróleo sobre o meio ambiente e pelo uso mais eficiente do combustível, o que requer um aumento da participação de fontes mais limpas na geração de energia.

Gabrielli contou na entrevista que a oferta e a demanda de petróleo no mundo estão equilibradas e giram em torno de 82 a 84 milhões de barris por dia. Em ambos os casos — oferta e demanda —, a previsão de crescimento, segundo ele, varia entre 1,6% e 1,8% por ano. "Então não há por que dizer que vai se ter grande problema nessa área", disse. "As reservas conhecidas hoje permitem um horizonte de 70, 80 anos de produção." Para completar, o economista destacou o crescente emprego de novas tecnologias viabilizadas pelo alto preço do petróleo — que já permitem ou vão permitir a recuperação de campos maduros e a produção em situações tidas há pouco tempo como impossíveis. A própria Petrobras já possui um poço com 11 quilômetros de profundidade no Golfo do México e planeja explorar petróleo no Brasil abaixo da camada de sal, que tem 6 mil metros de rocha. Segundo ele, se forem incluídas no panorama futuro opções como as areias betuminosas do Canadá e o petróleo extrapesado da Venezuela, o horizonte de produção de petróleo estende-se para 200 anos. Resumindo: o que pode tirar o petróleo de cena não é o fim de suas reservas, mas sim o desenvolvimento de outras fontes mais limpas, como a celulose e o hidrogênio, e o aumento da eficiência energética.

Quando a jornalista perguntou se a participação do petróleo na matriz energética brasileira não diminuiria de maneira considerável no futuro, Gabrielli respondeu afirmativamente e acrescentou que esse fato "cria dois grandes desafios em matéria de substituição de combustíveis". Um desses desafios, apontou, será o crescimento do etanol e do biodiesel, que tomarão espaço da gasolina e do diesel. Entretanto, ele não cogita diminuir a produção de petróleo da Petrobras, que hoje é de 2 milhões de barris e em 2011 deverá ser 2,3 milhões de barris. "A Petrobras tem que encontrar destino para sua produção, porque, diferentemente de outras, a do petróleo não é uma indústria fordista que se ajusta pela velocidade da correia de transmissão", afirmou. Nesse sentido, a empresa já está montando um complexo no Rio de Janeiro que trabalhará com uma tecnologia inédita no mundo: o uso direto de petróleo pesado para produzir petroquímica.

De acordo com o entrevistado, o complexo deverá ser concluído até 2011, ano para o qual está programado também o término da construção de uma nova refinaria no Nordeste, voltada principalmente para a produção de diesel. Essa refinaria ampliará a capacidade de processamento de petróleo da Petrobras em 350 mil barris. Além disso, a empresa planeja aumentar a capacidade das atuais refinarias em mais de 200 mil barris e elevar a produção de biodiesel e álcool. "De biodiesel temos comprado 800 milhões de metros cúbicos ou 800 bilhões de litros por ano", revelou. "E, a partir de 2008, vamos produzir 150 milhões de metros cúbicos." Em relação ao setor de transportes, ele disse que o álcool tem uma participação de aproximadamente 40%, sendo 25% referentes ao álcool anidro (misturado à gasolina) e o restante ao álcool hidratado (usado diretamente como combustível). Para o diesel, calcula uma participação entre 2% e 5%. Já para o gás natural veicular, prevê que o ritmo de crescimento da demanda irá diminuir. "A perspectiva é que essa matriz do gás cresça até atingir, talvez, 10% da matriz energética brasileira total", apontou.

Ao falar sobre os biocombustíveis, Gabrielli destacou o fato de a Petrobras ser vista mundialmente como uma empresa que já atua no setor há muito tempo. Por causa da experiência acumulada e das tecnologias que domina, a companhia não focará seus investimentos na área, mas continuará dando-lhe importância. Na opinião do presidente da estatal, o aumento da participação dos biocombustíveis no mercado mundial de combustíveis provocará "uma mudança no papel da América do Sul na geopolítica do setor". Segundo ele, "a produção agrícola de uma commodity combustível não é a mesma coisa que a de uma commodity alimentar ou industrial" — ou seja, quem produz biocombustível tem garantia total de venda e trabalha com contratos de longo prazo. Os desafios, contudo, são numerosos: será preciso superar o protecionismo da Comunidade Européia e dos Estados Unidos aos seus agricultores; acelerar a Rodada de Doha; lidar com os problemas da disponibilidade de água e das escalas de produção, uma vez que os biocombustíveis competirão com os alimentos em determinados lugares; e evitar que o plantio das matérias-primas estimule o desmatamento.

Os temas abordados no final da entrevista são as parcerias de pesquisa com universidades brasileiras e o trabalho do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes). Em relação às parcerias, Gabrielli contou que a empresa investirá R$ 1,4 bilhão nos próximos três anos na rede que envolve 72 instituições e contempla 26 áreas temáticas ligadas a petróleo, gás e biocombustível, além de outras seis voltadas para problemas específicos das diferentes regiões do País. Sobre o Cenpes, o presidente da estatal disse que o centro, no qual trabalham 3 mil pessoas, segue a lógica da Escola de Sagres. "A Escola de Sagres combinou a operacionalidade do marinheiro com o conhecimento dos sábios acadêmicos e com os sonhos dos cartógrafos", explicou. "E isso é um elemento-chave: combinar perspectivas de sonho com o interesse da indústria de ter resultados e ser focada, e com a pesquisa acadêmica, com o conhecimento científico em geral — isso é o Cenpes. E ele tem sucesso porque combina conhecimento básico com aplicação."

Fonte:

Nenhum comentário: