Por Najar Tubino*, para a EcoAgência
O sertão não vai virar mar, vai virar cana. Entenda-se o sertão, como o centro-oeste brasileiro, e parte do nordeste, já destinados à produção do etanol de cana-de-açúcar.
As informações que baseiam este texto foram divulgadas pela publicação “Retratos do Brasil”, da Editora Manifesto, de Minas Gerais, e circularam na edição da última semana de agosto de 2007, na revista Carta Capital. A situação é muito pior do que se possa imaginar, nos 80 milhões de hectares que estão previstos na ocupação dos próximos anos.
Para substituir 20% da gasolina por álcool, os Estados Unidos precisarão de 132,5 bilhões de litros, em 2017. No ano passado eles produziram 20 bilhões, álcool produzido do milho. Milho que subiu 80% de preço, e que abastecia um rebanho de 100 milhões de cabeças. Agora com 96 milhões de bovinos, os Estados Unidos entrarão no mercado para comprar carne. Em dois anos faltará carne no mercado mundial, me disse um especialista em exportação, há mais de 30 anos no mercado.
O problema do negócio da cana é a concentração. Além de 75% da colheita ser realizada em terras próprias das usinas ou arrendadas, grandes grupos internacionais estão entrando no setor. O patamar, a partir de agora, serão usinas com capacidade para produzir 40 milhões de toneladas por ano. O maior, no Brasil, até este momento é a Cosan, do empresário Rubens Ometto. Dono de 17 usinas, já captou R$740 milhões na Bolsa de São Paulo, empresa com referências de responsabilidade social, ambiental e outras coisas. Agora se prepara para captar 2 bilhões de dólares na Bolsa de Nova York. Ele tentou comprar a Usina Vale do Rosário, segunda maior do setor. Mas a Vale estava organizada internacionalmente.
Juntamente com a Santa Elisa e a trading Crystalsev, parceira da Cargill, mais outra exportadora americana, a Global Foods e o fundo de investimentos Carylyle Riverstone, dos EUA, criaram a Companhia Nacional de Açúcar e Álcool, pretende produzir 40 milhões de toneladas por ano, e vai construir mais quatro usinas, três em Minas Gerais e uma em Goiás.
Jogo Muito Pesado
As quatro maiores empresas do agronegócio mundial – ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus- voltam-se para o mercado do álcool. A ADM é a maior na produção de etanol do milho, nos Estados Unidos (que custa 0,36 centavos de dólar o litro, enquanto o etanol da cana custa 0,24 centavos). A Dreyfus criou a Louis Dreyfus Commodities Bioenergia, comprou 10 usinas nos últimos três anos por cerca de 2 bilhões de dólares. Recentemente anunciou a entrada na empresa de um grupo liderado por Wafic Said, bilionário sírio ligado à corte da Arábia Saudita.
Do time de 1 bilhão de dólares ainda está o megaespeculador George Soros, com um grupo liderado pelo ex-presidente da Petrobrás, Henry Felipe Reichstul, além de James Wolfenson, ex-presidente do Banco Mundial, Vinod Khosla, fundador da Sun Microsystems e até mesmo, Bill Clinton. Sem falar do grupo Odebrechet, que também quer investir 2,5 bilhões de dólares, já comprou uma usina em Teodoro Sampaio (SP), e junto com a Brasken, pretende produzir o que eles chamam de “plástico verde”, com a matéria-prima da cana. A Dow Chemical também diz que v ai fazer o mesmo.
No Tocantins, o empreiteiro carioca, da área de imóveis, Áureo Luiz de Castro, anunciou em reunião com os governantes do estado, os projetos da empresa Etanalc: arrendamento de 700 mil hectares de terra, construção de 24 usinas, a um custo 8,4 bilhões de dólares. O álcool produzido iria para exportação, a cargo da Sempra, uma das maiores empresas de gás nos EUA, venderia nos mercados japonês e americano. A tecnologia empregada será alemã Man Ferrostaal, responsável por entregar as usinas prontinhas , eles chamam de “turn key”, chave na mão. Não que o Brasil não tenha tecnologia de fabricação de usinas, empresas de Piracicaba e de outras regiões do interior paulista produzem equipamentos e suprem o mercado nacional, inclusive de usinas que funcionarão e três modelos: eletricidade, álcool e diesel.
O movimento todo tem por objetivo continuar movendo a máquina automobilística global, agora engrossada com os carros flex fuel (podem usar dois combustíveis). Tecnologia criada no Brasil, com pesquisa Evelyn Teixeira e equipe brasileira, mas registrada pelas empresas Robert Bosch (alemã) e Magneti Marelli (italiana). Os royalties vão para matriz, é claro.
Herói morto
Já os cortadores de cana, que duplicaram a sua produtividade nos últimos 20 anos, agora cortam até 30 toneladas por dia, morrem mais cedo. Alguns campeões de produtividade, morrem cortando cana, no meio do trabalho. Caso já divulgado pela imprensa brasileira e investigado pelo Ministério Público de São Paulo. Um escravo no século XVIII cortava duas toneladas de cana por dia. A cana ficou mais leve, produz mais, ao invés de cortar 100 metros por dia, eles cortam 300. As usinas eliminam os cortadores que cortam de 10 toneladas para baixo. Bem, os cortadores são livres para cortar, dizem eles.
E a mamona? Não tem tecnologia de produção, ou seja, semente selecionada, produtividade garantida. As lavouras do sertão nordestino, caso do Piauí, onde a Ecodiesel – primeira do ramo a se instalar, com selo de combustível social – produziram no ano passado 200 quilos por hectare. As melhores produzem 600 quilos.
A Ecodiesel compra a mamona dos assentados e pequenos produtores mas não usa na produção do biodiesel. Mostraram isso nos relatórios da Bolsa de Valores, ano passado : 97% do biodiesel produzido era de soja. Soja que vem do centro Sul. A cidade de Floriano (Piauí), sede da empresa, está achando ótimo o movimento de restaurantes, postos e oficinas faturando com os caminhoneiros.
Uma empresa paga R$ 218,00 de impostos a cada mil litros de diesel. Se comprar a matéria-prima no norte e nordeste de pequenos produtores, a tributação é zero. Se comprar uma parte – 30% - o imposto é de R$70,00 para cada mil litros. Ainda ganham financiamento do BNDES, no caso da Ecodiesel, ganharam terreno da prefeitura, isenção de impostos municipais e uma área de 18 mil hectares do governo estadual. Construíram uma vila organizada para os assentados, “parceiros” do projeto. Com tudo. Mas a mamona está estocada.
Mais: nem a Petrobrás tem tecnologia para produção de biodiesel de mamona. Estão testando. Na hora de funcionar as usinas terão capacidade para 50 mil toneladas por ano. Vai com ou sem mamona. É o mínimo para ter viabilidade. Assentados e pequenos produtores, mesmo organizados, darão apenas o lustre, o verniz, no selo social, deste projeto. A grana mesmo, ficará com os grandes. Aliás, o dono da Ecodiesel mora no Leblon. E ele vendeu quase 500 milhões de litros de biodiesel em 2006, dos 840 milhões adquiridos nos leilões da Petrobrás. Ah, quem tem selo social tem preferência no leilão.
(*) Najar Tubino é jornalista e autor da palestra "Uma visão Holística e atual sobre a integração do planeta", sobre mudanças climáticas, aquecimento global, extinção de espécies, o funcionamento dos sistemas que compõem e movimentam a vida na Terra, com data-show, ilustrada com imagens de satélite da Nasa. Pode ser agendada pelo telefone: (51) 96720363, e-mail:najartubino@yahoo.com.br
(Envolverde/ )
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