Por falta de matéria-prima, produtores têm apenas 31% do volume necessário para o início do programa nacional, em janeiro.
Indústria e governo admitem que atual ritmo de produção não será suficiente para poderem cumprir a mistura obrigatória de 2% no diesel
Bandeira política do presidente Lula, o programa nacional de biodiesel fará a sua estréia no próximo ano sem o principal personagem -justamente o biodiesel na bomba de combustível para o consumidor. Tanto a indústria como o governo concordam em que a produção não será suficiente para a mistura prevista em lei.
A legislação atual prevê o uso "mínimo obrigatório" de 2% de biodiesel no diesel mineral a partir de 2008. Para isso, seriam necessários 720 milhões de litros do biocombustível. A ANP (Agência Nacional do Petróleo) comprou antecipadamente 840 milhões de litros -apenas 31% disso está pronto, e o restante não será entregue por falta de matéria-prima.
O programa previa a adição de 5%, o chamado B5, a partir de 2013. A partir de anúncios de investimentos feitos por grupos empresariais, Lula decidiu antecipar o B5 para 2010. O governo se fia na capacidade instalada de produção, que beira hoje os 2 bilhões de litros. A dificuldade é concretizar isso.
"Não temos como atender a demanda de 2008; o custo de produção do biodiesel ultrapassa o preço do diesel universal. Produzimos até agora mais de 200 milhões de litros. Temos um déficit de 600 milhões de litros que, em hipótese nenhuma, será suprido", afirmou Nivaldo Trama, presidente da Abiodiesel (Associação Brasileira de Indústria do Biodiesel).
O diagnóstico é conhecido do governo, embora autoridades tenham dificuldade de divulgar as falhas do programa. Procurado pela Folha, o Ministério de Minas e Energia concordou com a avaliação depois de informado que eram os próprios empresários quem denunciavam a insuficiência de produto.
"Não vamos receber todo esse biodiesel contratado. Mas isso não põe em risco o programa, não é nenhum fim do mundo. Vivemos um período de estruturação da produção", afirmou Ricardo Dornelles, diretor de Energias Renováveis do Ministério de Minas e Energia.
O presidente da Ubrabio (União Brasileira do Biodiesel), Juan Diego Ferrés, aponta também a existência de um "descompasso" entre a logística disponível no país e a operação prática de misturar o biocombustível ao diesel mineral.
Até esse ponto concordam tanto o governo como empresários do setor. Mas basta o assunto mudar para os motivos da frustração de safra e dificuldades do programa para aparecerem flagrantes divergências.
Enquanto o poder público vê "percalços normais" que serão sanados, o setor privado reclama de "frustração" e de incentivos fiscais confusos. "A ANP já vai fazer novos leilões. Temos problemas, mas são percalços de uma indústria que começou do zero", diz Dornelles.
A ANP reconhece hoje a existência de 44 projetos envolvidos com a produção de biodiesel no país, mas as associações do setor ressaltam que apenas "quatro ou cinco" conseguem produzir efetivamente.
Dornelles nega que o governo esteja preocupado com a falta de biodiesel no ano que vem. "Os problemas iniciais foram resolvidos, e a partir do segundo semestre várias unidades foram autorizadas. Não temos nenhuma preocupação com falta de matéria-prima nem com falta de produtores."
Apesar de apontar o problema, Ferrés e outros empresários do setor tiveram audiência pública com Lula em 26 de setembro para pedir aumento dos percentuais de mistura, que começa em 2%. O governo respondeu positivamente e, mesmo com a produção menor, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) prometeu estudar a alta gradual da mistura -para 3%- após os primeiros meses de 2008. O argumento dos produtores é que há capacidade de produção mais de duas vezes superior à demanda potencial.
Agricultura familiar
Uma das principais divergências diz respeito ao incentivo estatal para o uso de matéria-prima cultivada em escala familiar de produção. O programa estabelece incentivos fiscais de acordo com o percentual de agricultura familiar envolvido na produção.
"A agricultura familiar tem um caminho próprio. O biodiesel foi muito impactante, houve uma receptividade muito boa. Mas na hora de cumprir compromissos as famílias não tiveram capacidade", disse Trama.
Para o Ministério das Minas e Energia, no entanto, "os resultados até agora são os esperados". "A participação da agricultura familiar está em linha com as expectativas, achamos que pode crescer ainda muito mais, obviamente. Estamos satisfeitos, mas não acomodados", declarou Dornelles.
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