terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Bioprotecionismo

A MELHOR expressão das ambigüidades de países ricos diante daqueles que se afirmam como potências agrícolas, como o Brasil, foi oferecida em Bali.

Num dos muitos diálogos de surdos sobre mudança climática travados na ilha da Indonésia, EUA e União Européia apresentaram uma lista de produtos benéficos para o ambiente, como equipamentos de energia solar e eólica, cujas tarifas de importação deveriam ser rebaixadas. O chanceler brasileiro, Celso Amorim, protestou, com razão, contra a não inclusão dos biocombustíveis (álcool e biodiesel).

Biocombustíveis não são panacéia contra o aquecimento global, mas podem dar sua contribuição. Seu maior potencial está em países tropicais como o Brasil, que tem agroindústria menos lesiva ao ambiente, com o competitivo álcool de cana. Não era de esperar que UE e EUA, que gravam o álcool brasileiro com até 63% de taxa, baixassem a guarda na lista de proteção a seus ineficientes biocombustíveis.

As duas potências podem parecer antípodas da negociação sobre clima, mas convergem no que interessa. Ao mesmo tempo em que se arvora em vanguarda ecológica, a UE prepara novo aperto nas restrições a produtos brasileiros. Segundo o jornal "Valor", os europeus devem anunciar regras de "sustentabilidade" para biocombustíveis que barrariam, por exemplo, o álcool produzido com plantio de cana em áreas de floresta.
Embora o caráter protecionista da medida seja óbvio, seria ocioso bradar contra ela. Requisitos socioambientais constituem tendência irreversível no mercado internacional de commodities. Combatê-la poria o país na posição insustentável de ter de defender a destruição de ecossistemas em nome da produção ou, pior, em nome de condições de trabalho degradantes.

Governo e empresários já se curvaram ao imperativo. Trabalham em instrumentos racionais de gestão, como um zoneamento agroeconômico que exclua o plantio de cana da Amazônia ou um sistema de certificação social e ambiental. Esse é o caminho: em lugar de lamuriar-se, tomar a iniciativa e fazer a coisa certa.

Algo de similar pode ser dito de outra providência bioprotecionista em preparo na Europa, agora contra a carne bovina nacional, como noticiou esta Folha na sexta-feira. Produtores irlandeses e britânicos encaminham-se para obter da UE algum endurecimento, ainda que não talvez a desejada restrição total. Mais provável é que se aumentem as exigências para credenciar, uma a uma, as empresas autorizadas a exportar para a UE.

A motivação é protecionista, claro, mas também é fato que o Brasil ainda se encontra distante de um bom sistema de controle sanitário do rebanho. Aí está a ameaça perene da febre aftosa para provar. É no seu próprio interesse de potência agrícola que o país tem de enfrentar e resolver essas deficiências.

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