Matérias-primas em alta e excesso de capacidade produtiva fazem do biodiesel um combustível fadado ao prejuízo em sua estréia nacional.
O biodiesel, foi anunciado como um dos principais programas do governo na área de energia. Ao mesmo tempo que oferece ganhos ambientais por reduzir a poluição e ser renovável, o biocombustível de óleo de mamona, soja ou palma, entre outras matérias-primas, foi apresentado como uma oportunidade para gerar emprego e renda na agricultura familiar. Depois de muito ensaio, chegou a hora da verdade para o biodiesel brasileiro. Em janeiro, passa a ser obrigatório nos postos de todo o país o B2, o diesel com mistura de 2% do biocombustível. Isso significa que, ao longo de 2008, serão necessários cerca de 840 milhões de litros de biodiesel para abastecer uma frota de 2,3 milhões de caminhões, ônibus e picapes. Mas a aguardada estréia pode ser ofuscada por dois problemas: excesso de capacidade industrial e disparada dos preços dos óleos vegetais. A cotação do óleo de soja, matéria-prima de 75% da produção brasileira de biodiesel, quase dobrou em dois anos. O resultado é que fazer biodiesel hoje dá prejuízo. Estimuladas por amplos incentivos do governo, muitas empresas investiram no setor. Existem 49 usinas aprovadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), com uma capacidade instalada de 2,5 bilhões de litros por ano -- três vezes a cota necessária para suprir o B2 em 2008. Outras 47 fábricas aguardam autorização da agência para ser implantadas. Quando todas as usinas estiverem em operação, a capacidade de produção alcançará 3,8 bilhões de litros por ano. "Houve uma explosão no setor que gerou uma febre de competição e acabou jogando os preços lá embaixo", diz Jorio Dauster, presidente do conselho de administração da Brasil Ecodiesel, a maior empresa do setor, com seis usinas.
O fato é que a conta não fecha. Num leilão promovido pela ANP em novembro, a Petrobras adquiriu 380 milhões de litros de biodiesel pelo preço médio de 1,86 real por litro - embora o preço de referência fosse 2,40 reais. O valor atingido não cobre sequer o custo de produção, estimado em 2 reais o litro, do biocombustível feito com óleo de soja, considerado a versão mais viável economicamente. Por que as empresas se comprometeram a entregar o produto com prejuízo? A explicação é que, uma vez que muitas usinas já estão construídas, há uma ânsia em fechar contratos com a Petrobras e garantir alguma remuneração para o investimento. Afinal, os leilões já realizados pela ANP garantiriam o abastecimento de biodiesel para todo o primeiro semestre de 2008 e não haveria outra grande oportunidade de venda tão cedo. "Não podemos ficar com as fábricas paradas por seis meses", diz Dauster. Diante do cenário de matéria-prima nas alturas, o setor ficou dividido. "Algumas empresas acharam que era melhor apostar nesse início de programa, mesmo com o preço abaixo do custo. Outras entenderam que não dava para trabalhar no prejuízo", diz Odacir Klein, ex-ministro dos Transportes e diretor da recém-criada União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio). O grupo Bertin foi um dos que preferiram ficar de fora. Inaugurada em setembro, com capacidade para produzir 110 milhões de litros de biocombustível por ano utilizando óleos vegetais e sebo bovino dos frigoríficos da empresa, a fábrica de biodiesel do Bertin, localizada em Lins, no interior de São Paulo, está parada.
Quem vendeu o produto nos leilões, porém, lida com uma equação difícil de fechar -- por isso, reina a desconfiança de que algumas empresas não irão entregar o biodiesel leiloado, repetindo o que ocorreu ao longo de 2007. Nesse período, quando o mercado operou em fase de teste, apenas 400 milhões de litros, menos da metade do volume vendido, foram entregues. Para diminuir o risco de faltar o produto, a agência reguladora incluiu penalidades para quem não fornecer o prometido, proibindo a participação em futuros leilões. "O objetivo dos primeiros leilões era estimular o mercado a produzir e, portanto, os contratos nem traziam cláusulas punitivas. Agora, não existe mais essa possibilidade", diz Edson Silva, superintendente de abastecimento da ANP.
QUANDO O PROGRAMA brasileiro de biodiesel foi concebido, em 2005, o mercado das commodities agrícolas ia mal. Mas, desde então, suas perspectivas mudaram. O aumento de renda na China e na Índia elevou 6,5% o consumo de óleos vegetais em 2007, e já se prevê novo crescimento, de 6%, da demanda em 2008. Além disso, o avanço dos biocombustíveis -- aí incluído o etanol -- também mexeu com o mercado de óleos vegetais. À medida que o biodiesel ganha peso na matriz energética mundial, sua conexão com o petróleo aumenta. "Isso significa que um preço mais alto do petróleo tem sido traduzido em maiores preços dos óleos vegetais", diz James Fry, diretor da consultoria inglesa LMC, especializada no mercado de commodities agrícolas.
Não é só no Brasil que o mercado de biodiesel é complicado. A Alemanha é o maior produtor mundial, com 40% dos cerca de 13 bilhões de litros fabricados no planeta. Mas essa liderança foi construída com base numa gama de subsídios aos produtores e reduções tributárias. Os Estados Unidos, outro país importante no mercado, também oferecem largas vantagens aos produtores. Por aqui, o governo pensa em alternativas para impulsionar as indústrias. É quase certo que a adição compulsória de 5% do biocombustível ao diesel, prevista para 2013, será antecipada para ampliar a demanda. Também já se espera que os preços de referência dos próximos leilões sejam mais generosos, absorvendo, assim, o alto custo da matéria-prima. O governo deve ainda estimular o chamado mercado de BX -- aquele em que empresas utilizam o biodiesel em frotas próprias. A Vale, por exemplo, mistura 20% de biodiesel ao diesel de suas locomotivas. "Essa pode ser uma nova fronteira para o biodiesel nacional, porque a exportação ainda vai demorar a acontecer", diz Silva, da ANP.
O grande teste do biodiesel brasileiro virá mesmo a partir de março, quando a nova safra de soja começará a ser entregue. Se a demanda internacional pelo grão continuar aquecida, a pressão na exportação será um fator a mais para complicar a produção. Outros gargalos, como transporte e armazenagem, deverão surgir. A falta de tanques para estocagem do biocombustível nas distribuidoras pode ser o primeiro deles. Será preciso muito mais do que marketing para que o biodiesel cumpra as promessas douradas do lançamento do programa.
Eduardo Monteiro Fabiane Stefano
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