Rubens Barbosa *
O Marquês de Pombal, importante homem público português, primeiro-ministro com atuação decisiva na reconstrução de Lisboa, semidestruída por um terremoto devastador em 1755, ensinava que, em qualquer decisão, o governante deve observar a prudência na deliberação, destreza na preparação e perseverança para concluir sua obra.
Lembrei-me desse pensamento ao debruçar-me sobre o que está ocorrendo hoje no Brasil com os biocombustíveis.
O governo não perdeu tempo em estabelecer rígida regulamentação para assegurar o suprimento interno, com prioridade sobre a eventual exportação, e metas para a implementação de políticas apresentadas como redentoras de produtores rurais.
No que se refere ao biodiesel, o governo misturou o interesse político de dar sustentabilidade ao Programa Nacional de Agricultura Familiar no Nordeste, pelo fornecimento da matéria-prima (mamona e palma), com a prioridade econômica de ampliação do mercado nacional e internacional para o combustível. Na prática, em vez da mamona, as empresas preferem a soja como matéria-prima, aumentando seu preço e a competição com outros setores da economia. Por outro lado, foi dada preferência ao caminho metílico para a produção de biodiesel, o que implica pesada importação de matéria-prima (metanol) não produzida no Brasil. O setor produtivo de biodiesel se carteliza rapidamente e a Petrobrás, que está investindo forte nessa área, vai ser dominante, a exemplo do que ocorre na infra-estrutura de transporte (dutos), não dando espaço para o pequeno produtor e para o setor privado.
Nos programas oficiais de produção de biodiesel, com interferência nem sempre coordenada de cinco Ministérios, ficamos longe das recomendações de prudência, destreza e perseverança feitas por Pombal e mais próximos do surrealismo de Salvador Dali.
Qual a expectativa do governo em relação ao biodiesel?
A Agência Nacional de Petróleo (ANP) projetou um consumo interno de 620 milhões de litros em 2007, levando em conta a legislação mandatória, determinando que, a partir de janeiro de 2008, a adição voluntária de 2% de biodiesel (B2) ao óleo diesel de petróleo seja obrigatória. Em 2013, a mistura subirá a 5% (B5), havendo interesse do governo em antecipar essa meta para 2010.
O Ministério das Minas e Energia, baseado apenas no número de plantas autorizadas a produzi-lo, estima otimisticamente que o Brasil já tem a capacidade de produzir mais que o dobro da quantidade de biodiesel necessária para atingir a cota de 2%, que corresponde a 840 milhões de litros - 40 usinas já estariam em produção e mais 38 unidades produtivas estariam em processo de autorização pela ANP. Essas usinas produziriam 3,141 bilhões de litros, que poderiam ser acrescidos de mais 508 milhões de litros a serem produzidos por mais seis usinas. A realidade, contudo, é bastante diferente.
Qual a situação real do biodiesel?
O Programa de Biodiesel enfrenta sérias dificuldades. Segundo a ANP, entre janeiro e junho de 2007 foram produzidos no Brasil 122 milhões de litros de biodiesel, equivalentes a um aumento de 80% em relação ao total em 2006. Apesar desta expansão, o volume é 30% inferior ao que deveria ser entregue até junho de 2007, de acordo com os contratos firmados no segundo leilão de biodiesel realizado pela ANP em março de 2006.
Até dezembro de 2007 se esgota o prazo de entrega dos volumes negociados no terceiro, no quarto e no quinto leilões de biodiesel, que totalizam mais 645 milhões de litros. Para que os contratos sejam cumpridos em sua totalidade a produção de biodiesel teria de atingir 723 milhões de litros entre junho e dezembro de 2007, ou seja, um aumento de seis vezes sobre os 122 milhões de litros obtidos entre janeiro a junho.
De acordo com informações no blog de Adriano Pires, ex-superintendente da ANP e hoje um dos principais analistas de energia do Brasil, as distribuidoras de combustíveis, como a BR e a Ipiranga, encontram dificuldades para cumprir suas metas este ano. Dentre as empresas produtoras de biodiesel, a Brasil Ecodiesel, responsável pela entrega, até dezembro de 2007, de 56% de todo o volume negociado entre o primeiro e o quinto leilão, está com sua produção abaixo do que foi comprometido. Por outro lado, a BSBios, a Caramuru, a Ponte di Ferro e a Fiagril, que juntas representam 20% de todo o volume de biodiesel negociado nos leilões, não apresentaram produção até maio de 2007, segundo os dados da ANP.
Além do atraso nas entregas do produto, outro problema corrente é a sua devolução, por parte daquelas distribuidoras, por não apresentarem a qualidade estabelecida pela ANP. Por outro lado, a indefinição quanto às especificações dos combustíveis, conforme previsto na legislação em vigor, atrasa a redução do enxofre no diesel e poderá causar prejuízos ao fornecimento, ao meio ambiente e à saúde pública.
Caso esta situação não se reverta, o porcentual mínimo obrigatório de 2% do óleo diesel comercializado ao consumidor final em volume de biodiesel puro estabelecido para janeiro de 2008 não deverá ser alcançado.
Se isso ocorrer, o governo terá como alternativas prorrogar o referido prazo, reduzir o porcentual da mistura de biodiesel ou realizar novos leilões de que só deveriam participar empresas que já estejam efetivamente produzindo o combustível, é o que conclui Adriano Pires.
Ao que tudo indica, não teremos condições de cumprir o que o próprio governo decidiu, aprioristicamente, estabelecer. Pior situação ainda seria a entrada em vigor do B5 em 2010, pois não parece haver nenhuma condição realista de atender à demanda que fosse criada.
Nesta paisagem surrealista, seria mais um exemplo de voluntarismo descolado do mundo real.
* Rubens Barbosa, consultor de negócios, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, foi embaixador em Londres e em Washington
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