sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Alto Araguaia torce para que fábrica da Agrenco desencante

Localizada no sudeste de Mato Grosso, bem na divisa com Goiás, a cidade foi uma das três escolhidas pela companhia para a construção das unidades de beneficiamento de grãos e produção de biodiesel, que foram tocadas simultaneamente. A de Mato Grosso foi a única a ser inaugurada - as outras, inacabadas, ficam em Caarapó (MS) e Marialva (PR).

800 convidados para a inauguração da unidade da Agrenco, em março deste ano.Poucos dias depois da solenidade começaram a espocar os burburinhos sobre dificuldades enfrentadas pela empresa. Atrasos em pagamentos por lotes de soja, por material usado na construção da fábrica, pela prestação de serviços. A apreensão tornou-se lamento quando as fofocas se confirmaram. Em questão de menos de dois anos, a companhia passou de rumor de investimento, a investimento, a receio e a, por fim, interrupção da produção. Nos tempos em que era investimento, a empresa chegou a ser chamada por alguns de "Santa Agrenco", beatificada como em uma frase de Robin no antigo seriado de televisão.

A crise da Agrenco ocorreu poucos meses depois de sua oferta pública inicial de ações. Boa parte dos R$ 666 milhões obtidos na operação foi usada para pagar empréstimo com o Crédit Suisse, banco que coordenou a oferta, e para capital de giro. De acordo com os dados de seu último balanço publicado, referente ao primeiro trimestre, a dívida líquida da companhia era de R$ 1,2 bilhão, quase tudo para vencer em 12 meses. No caixa havia apenas R$ 52, 5 milhões.

O calvário mostrou-se ainda mais íngreme. Antonio Iafelice, Antônio Augusto Pires Júnior e Francisco Ramos, então três dos principais executivos da companhia, foram presos em junho na Operação Influenza, da Polícia Federal, sob suspeitas de crimes que iam de sonegação fiscal a fraude de balanço. Parte das provas foi considerada nula pela Justiça três meses depois.

Alto Araguaia, distante 1.141 quilômetros do prédio da Bovespa, no centro de São Paulo, e 1.468 quilômetros de Itajaí (SC), epicentro das investigações da Operação Influenza, franzia a testa. O município calculava que, a partir de 2010, a receita gerada pela Agrenco, sozinha, seria de R$ 300 mil por mês - não está na conta a receita adicional esperada para o maior movimento no comércio e nos serviços. Para uma cidade com orçamento de pouco mais de R$ 35 milhões anuais, seria uma adição, de uma hora para outra, superior a 10%.

Jerônimo Samita Maia Neto (PR), o prefeito da cidade, fazia planos de, com a receita extra, criar uma faculdade municipal ou, ao menos, um curso técnico voltado às atividades rurais. Não que ele tenha perdido a esperança de que o projeto da Agrenco no município volte a andar. "Continuamos na expectativa", diz ele.

Menos mal que, em Alto Araguaia, cidade de cerca de 15 mil habitantes, faculdades há. Se as operações da Agrenco estivessem em pleno curso neste momento, como se esperava, ela estaria entre as estrelas da economia alto-araguaiense, mas não fulguraria sozinha. A esmagadora de soja da Louis Dreyfus fica logo depois da cerca. ABC, Bunge, ALL, Galvani, Cargill, Mosaic, todas têm atuação na cidade.

Mesmo com a interrupção do patrocínio, o Araguaia Atlético Clube foi campeão. Aeroporto novo ainda não há, mas os aviões, bem ou mal, têm uma pista para seus pousos. Multinacionais e grandes grupos nacionais estão lá. E, ainda que momentaneamente desprovida da receita extra esperada para uma faculdade municipal, a cidade tem opções de cursos universitários para seus vestibulandos.

As ressalvas podem fazer crer que a Agrenco seria apenas mais uma empresa na cidade. O sentimento no município, no entanto, não é esse. A unidade da companhia com a aura de um respirador que daria fôlego novo para a agricultura da cidade.

Com o aumento da demanda, aluguéis de casas de dois, três quartos, que saíam por R$ 400 mensais, passaram a ser fechados por até R$ 800. A planta funcionaria com 150 funcionários. Alguns pediram seu desligamento ao longo da crise, mas ao menos 120 permanecem em atividades de manutenção, segundo a empresa. "Uma coisa diferente da Agrenco em relação a outras empresas é que ela deu preferência à contratação de pessoas da cidade", diz Paulo Serafim, presidente do Sindicato Rural da cidade.

A empresa tornou possível o aproveitamento de vastas áreas de pastagens degradadas de Alto Araguaia, fator tido como um dos mais cruciais de sua presença no município. Foram arrendados quase 14 mi hectares para o plantio principalmente de braquiária. Reunida em fardos de 450 quilos e, depois de picada, queimada, a gramínea serviria para a produção de energia a partir da biomassa. Como a necessidade de energia para a operação da fábrica é inferior à capacidade total de geração, boa parte da energia seria vendida à Centrais Elétricas Mato-Grossenses (Cemat).

Uma subestação está pronta para fazer a distribuição externa, mas dentro da fábrica nem toda a estrutura pôde ser concluída. Com isso, no intervalo em que o beneficiamento de soja pôde ser feito, a unidade funcionou abastecida por óleo diesel. Faltou pouca coisa para a conclusão da caldeira para a queima de braquiária e para a instalação do picador que seria usado nos fardos da gramínea.

Por conta disso, milhares de toneladas de fardos de braquiária acumulam-se nas plantações e também na área de estocagem da fábrica. No total, são ao menos 50 mil toneladas, volume com o qual daria para tocar a fábrica por dois meses, segundo Marco Antonio de Modesti, executivo que passou a acumular as funções de diretor-presidente e de finanças e relações com investidores.

No campo, o maquinário (próprio, arrendado e terceirizado) usado para o enfardamento e também para a seleção de sementes de braquiária aguarda a hora de voltar a funcionar. O desolamento das máquinas paradas não chama a atenção sozinho. Vastos campos verdes, nos quais o plantio chegou a ser realizado, contrastam com ordinárias terras de pastagens. A despeito de estar do ladinho de Alto Taquari, cidade mato-grossense de boa terra argilosa, Alto Araguaia tem sob si uma terra arenosa, pouco convidativa ao plantio.

Em diálogos a esmo, não é raro ouvir na cidade "janeiro", a senha de que há algo bom por vir logo ali depois dos fogos de artifício. De oficial, contudo, nada existe. A empresa está em recuperação judicial desde setembro, anunciou a abertura de negociações para ser comprada por Louis Dreyfus, Glencore ou Noble. A Justiça receberá na quarta-feira a proposta elaborada pela companhia para sua própria retomada, mas ainda há ritos e assembléias a serem seguidos com os credores.

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