terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Avanço da Petrobras em biodiesel põe em alerta a concorrência

A Petrobras confirmou que vai começar neste ano a construir uma megaplanta de biodiesel. A usina deverá ser instalada no Nordeste, mas o local ainda não foi definido. A intenção da estatal é tornar-se líder na produção no país a partir de 2010, quando a usina deverá entrar em operação. Em 2012, a meta é produzir 900 milhões de litros de biodiesel, volume superior à demanda atual do país, de cerca de 800 milhões de litros por ano para efetuar a mistura de 2% no diesel, em vigor desde o dia 1º de janeiro.

Além do projeto da megaplanta, a Petrobras está construindo três usinas de biodiesel - Quixadá (CE), Candeias (BA) e Montes Claros (MG). Cada uma terá capacidade para 57 milhões de litros de biodiesel por ano. Somados, os investimentos atuais e a megausina receberão aportes que chegam a quase US$ 300 milhões, conforme apurou o Valor. Se os investimentos da Petrobras forem confirmados, a estatal concentrará em suas mãos cerca de um terço da produção deste combustível no país, considerando a atual capacidade instalada no país com os aportes anunciados pela companhia. Para 2012, o governo federal estima consumo de 2,4 bilhões de litros, com a mistura de 5% no diesel.

As intenções ambiciosas da Petrobras assustam. E não sem motivos. As indústrias de biodiesel concorrentes afirmam que a estatal está criando um monopólio, uma vez que é a única compradora - em dezembro, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) passou à estatal a responsabilidade de formar estoques de biodiesel por meio dos leilões de compra - e também se tornará uma líder na produção. "A Petrobras contraria o discurso do governo de consolidar o biodiesel no setor privado", diz Nivaldo Trama, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel (Abiodiesel), que reúne as pequenas e médias indústrias do setor.

Com 51 plantas com autorização para operar no país, a capacidade instalada para produção supera 2,5 bilhões de litros. "O fato de ela [Petrobras] entrar deixa o mercado desorientado, sem destino do que fazer", afirma Trama.

De acordo com um executivo do setor, a entrada mais forte no mercado de biodiesel "é uma tremenda ameaça". "Se uma estatal desse porte, que já é responsável pelos leilões de compra do biodiesel, entra dessa forma, o setor perde toda a sua vivacidade", diz o executivo.

A concorrência no setor promete esquentar mais com a tecnologia que está sendo desenvolvida pela estatal e que deve ser colocada em prática nos próximos meses. A Petrobras deverá produzir o combustível diretamente de sementes de oleaginosas, sem a necessidade de extrair o óleo. A técnica começa a ser testada em duas usinas-piloto que a estatal mantém em Guamaré (RN) e que será estendida para outras unidades no futuro.

O projeto até agora foi mantido em sigilo pela estatal, que até então havia anunciado apenas a adoção da rota convencional de produção de biodiesel, em que a empresa comprava o óleo vegetal de terceiros e fazia a transesterificação - processo do qual se extrai o biodiesel e a glicerina. "O problema é a economicidade do processo. A matéria-prima custa 80% da produção e o óleo vegetal no Brasil é mais caro que o diesel na bomba, hoje em torno de R$ 1,80", compara Carlos Nagib Khalil, autor do projeto e consultor do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes).

Khalil não dá muitos detalhes, mas afirma que, com a nova tecnologia, a reação química é feita na semente. Do grão esmagado sai o biodiesel, sem necessidade de outro processo. "A semente é muito mais barata. A mamona custa R$ 0,30 o quilo. Com dois quilos faço um litro de biodiesel", garante o pesquisador. O processo também já foi testado com pinhão-manso, girassol e amendoim. "Se a Petrobras só usar o óleo, não vai fechar a conta. O objetivo é verticalizar a produção para reduzir custos."

Fernando Lima, gerente-geral de exploração e produção no Rio Grande do Norte e Ceará da Petrobras, confirma que a estatal busca acordos com cooperativas de produtores para adquirir sementes de girassol, mamona e pinhão-manso para produzir o biodiesel.

Para o vice-presidente de novos negócios da Comanche, João Pesciotto, a estratégia de obtenção do combustível diretamente das sementes de oleaginosas "faz sentido". Ele, no entanto, faz uma ressalva: "é preciso saber a qualidade do resíduo sólido que se consegue com esse processo", diz. A Comanche tem uma usina de biodiesel em Simões Filho (BA) com capacidade anual de produção de 40 milhões de litros.

Pesciotto salienta que desconhece os detalhes técnicos do projeto, mas explica que a conta da margem entre o custo de produção do biodiesel e o preço de venda inclui também o que se obtém com o aproveitamento do resíduo sólido. Os resíduos da soja, por exemplo, podem ser utilizados como ração animal, o que não é viável com a mamona e o pinhão-manso, base das pesquisas da Petrobras. "Se o resíduo sólido não tiver nenhum aproveitamento econômico, como ração ou adubo, o custo final pode até mesmo ficar mais alto que o convencional."

No Rio Grande do Norte, a estatal fechou acordo com cooperativas da região do Vale do Açu para a compra de 18 mil toneladas de sementes de girassol. A empresa vai custear as sementes e a assistência rural aos produtores para o plantio de 16 mil hectares na primeira fase do projeto. "Para atender à demanda das unidades de Guamaré será necessário o plantio de 30 mil a 35 mil hectares de girassol", diz Lima.

Em dezembro, a estatal também fechou contratos com sete cooperativas na Bahia para a compra mil toneladas de óleo de palma, 42 mil toneladas de sementes de mamona e 15 mil toneladas de sementes de girassol. Os produtos vão abastecer a produção de biodiesel na usina de Candeias, que tem capacidade para 54 mil toneladas de biodiesel por ano mas, em 2008, deve produzir 27 mil toneladas.

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