segunda-feira, 5 de abril de 2010

Lucro com biodiesel

Este ano, a mistura obrigatória de biodiesel no diesel passou de 4% para 5%, antecipando a meta do governo prevista para 2013. A produção vai muito bem.

O problema é que continua vindo quase tudo da soja, contrariando aquela expectativa inicial de usar o óleo de culturas alternativas como matéria-prima.

No começo da safra, o Globo Rural visitou agricultores familiares em Goiás que estão plantando soja para produção do novo combustível.

Muitos carros, caminhões, ônibus. Uma frota que não para de crescer. Uma preocupação mundial: diminuir os gases causadores do efeito estufa. Fontes de energia renováveis são bem-vindas. Nesse cenário, surgiu o Programa Nacional do Biodiesel, lançado pelo governo há cinco anos.

O objetivo era investir num combustível biodegradável e menos poluente, produzido a partir de óleos vegetais e animais, para substituir parte do diesel de petróleo. E de quebra ainda inserir a agricultura familiar nessa nova cadeia produtiva, principalmente no Norte e no Nordeste, que têm como produzir oleaginosas como a palma, que dá o dendê, e a mamona. O governo autorizou, então, a mistura de 2% do novo combustível ao diesel comum.

A ideia era chegar gradativamente, aos 5% em 2013. Mas a indústria respondeu rápido e os planos mudaram. O governo decidiu antecipar essa meta. Desde janeiro de 2010, todo diesel que sai das bombas dos postos de combustível do país passou a ter em sua composição 5% biodiesel. Uma mistura obrigatória.

Para atender à nova demanda, o país deve produzir este ano 2,3 milhões de metros cúbicos de biodiesel, que, contrariando as expectativas iniciais, será quase todo produzido a partir do óleo de soja.

O biodiesel de mamona (Ricinus communis L.), de que tanto se falou no início do programa, por enquanto não deu certo. No ano passado, o Globo Rural mostrou pequenos agricultores do Ceará que tiveram sérios problemas.

O representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na coordenação do Programa Nacional do Biodiesel admite que houve erro de avaliação. “O governo já esperava que a soja fosse a oleaginosa mais importante. A velocidade da entrada dessas alternativas é que talvez nós tenhamos errado no tempo. Nós acreditávamos que seria mais rápido e tem sido mais lento. Essa lentidão se deve às diferenças de estrutura agrícola. Você tem uma cadeia produtiva como a da soja, com 40 anos de evolução, infra-estrutura, tecnologia, financiamento e todo um conhecimento dos agricultores já colocados. E essas outras culturas são novas. Então, estão sendo implantadas no nosso país”, explicou Arnoldo Campos.

Hoje, setenta e oito por cento do biodiesel produzido no Brasil vem da soja, quinze por cento é do sebo de animais e 3% do caroço de algodão. Todas as outras culturas dividem os 4% restantes.

“Hoje há uma participação de quase 20% da agricultura familiar no total do biodiesel produzido. Desse montante, são 93% de soja”, completou Campos.

Se é verdade que o programa de biodiesel ainda não decolou direito em regiões que dependem de oleaginosas alternativas, em outras partes do país onde a soja se dá bem ele vai de vento e popa.

No Estado de Goiás hoje são cerca de 1,7 mil agricultores familiares trabalhando para a produção do biodiesel. Mais de 90% plantam soja.

Jataí, no sudoeste goiano, é uma região com tradição na produção de grãos. No lugar, agricultores familiares de oito assentamentos, reunidos em cooperativa, vão entregar, este ano, sua quarta safra de soja para as indústrias que esmagam o grão para fazer biodiesel.

Fábio Gottems e seu irmão, Paulo, plantaram, juntos, nesta safra, setenta hectares. Cada um é dono de um lote no assentamento Rio Paraíso. Eles sempre plantaram soja. Primeiro, em terra arrendada. Depois, em terra própria. Desde 2007, entregam tudo o que produzem para a indústria de biodiesel.

“É uma diferença em questão do incentivo, preço melhor e a questão de crédito. As empresas também estão fornecendo um crédito com mais facilidade. Facilitou mais um pouco a vida do produtor”, comparou Fábio.

Fábio e Paulo são beneficiados pelo Selo Combustível Social, um tipo de certificado concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário a indústrias de biodiesel que fecham contratos antecipados com agricultores familiares para a compra de parte de sua matéria-prima e prestam assistência técnica para eles. A vantagem é que 80% do mercado de biodiesel, hoje, só pode ser acessado por empresas que detenham o selo. E elas também contam com um desconto no imposto Pis/Cofins.

Gilmar Katzer é presidente da Coparpa, cooperativa que fica no assentamento Rio Paraíso e atende, além do Fábio e do Paulo Gottems, outras 300 famílias produtoras de soja. Ele explicou que, juntos, fica mais fácil conseguir um bônus com as indústrias, que, por causa do selo, têm interesse em negociar.

“Esse ano, nós temos 4,5% a mais do que preço de mercado, mais R$ 2,00 para a soja convencional e R$ 1,00 para a soja transgênica. Nós vimos que essa diferença influencia em cerca de 20% a 25% do lucro do produtor”, avaliou Gilmar.

Fábio planta soja convencional e está satisfeito. Como ele já negociou boa parte do que está colhendo com a indústria, sabe o quanto esse bônus vai representar. “Da cerca de R$ 3,5 por saca. Numa produtividade de 50 sacas por hectares, aumenta em torno de R$ 150 a R$ 160 o hectare. Isso aí é um aumento de lucro”, calculou.

A soja dos irmãos Gottems segue para Anápolis, sede de uma das indústrias que compram o grão para fazer biodiesel na região. Os grãos são testados, secos e laminados. O importante é saber que desse processo de esmagamento saem dois produtos principais. O primeiro é o farelo, produto nobre da soja, base da ração animal. O segundo produto da soja é o óleo, que a indústria usa para fazer o biodiesel.

O primeiro óleo extraído da soja fica armazenado em tanques. É o chamado óleo bruto. Agora em 2010, o Brasil deve utilizar 1,6 milhão de toneladas desse óleo. É a produção de 2,9 milhões de hectares. É o equivalente a 12% da área plantada no país.

“Esse óleo tem uma parcela destinada para refino, vendido no mercado interno, através de garrafas pets ou óleo enlatado. Tem outra parte que destinada para a produção de biodiesel, feita na unidade de Anápolis”, falou Wallinson Cavazzani, gerente de produção.

Segundo o diretor industrial, Juan Diego Ferrés, a maior parte do óleo produzido em uma indústria já vai para a produção de biodiesel. “Mais ou menos hoje 70% hoje do total já vai para o biodiesel e 30% vai para alimento”, contou.

O doutor Diego é também presidente da Ubrabio, União Brasileira do Biodiesel, entidade que já defende um aumento no percentual do biodiesel no diesel, de 5% para 10%. Segundo ele, há hoje um excedente de óleo de soja no mercado que permitiria o aumento. “Os mercados de óleo alimentício crescem 1,8 % ao ano, sendo que a oferta de produção cresce 7,6% ao ano”, justificou.

Ricardo Dornelles, diretor de combustíveis renováveis do Ministério de Minas e Energia, explicou, no entanto, que a prioridade do governo, por enquanto, é outra.

“Hoje, nós temos a capacidade instalada de fábrica de produção de biodiesel superior à nossa demanda. Esse é um ponto que o governo olha, obviamente, mas nós temos hoje duas prioridades que talvez hoje sejam mais importantes: uma é consolidar e fortificar a questão da participação da agricultura familiar como agente desse processo; a segunda prioridade é ter uma menor dependência da soja. É buscar formas alternativas de diversificar a produção de matérias-primas. Com a diversificação você vai poder aproveitar a capacidade produção das micro regiões do país”, explicou Dornelles.

Enquanto isso, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel tem mudado mesmo é a vida do agricultor familiar que planta soja.

O seu José Antônio dos Santos é da Bahia. Ele trabalhava como técnico agrícola em fazenda de cacau no sul Estado. Com a decadência da cultura e a crise, ele foi para Goiás tentar a sorte. Virou sem-terra. Dos tempos de acampado, ele e a mulher, Norma dos Santos, não gostam nem de lembrar.

“Difícil demais. Muito perigoso. Você perde a liberdade e não conhece ninguém. E o povo não quer aproximação com a gente porque é um sem-terra”, reclamou dona Norma.

Quando o casal conseguiu um lote no assentamento Rio Verdinho, em Rio Verde, também no sudoeste goiano, eles decidiram criar gado de leite. Conseguiam se manter, mas a vida era dura.

O seu Zé e dona Norma migraram para a soja por conta do programa de biodiesel, incentivados pela cooperativa. Outros 27 agricultores do assentamento seguiram pelo mesmo caminho. Juntos, financiaram as máquinas que servem a todos. Muito zeloso, o seu Zé deposita na lavoura de 40 hectares a esperança de outro ano bom.

“Nós estamos esperando uma produtividade de 60 sacos por hectare. E nós estamos querendo ver se fazemos uma média de R$ 40,00 por saco”, falou seu Zé.

Esta é a quarta vez que seu Zé e a dona Norma vão entregar a soja para a indústria de biodiesel. Neste meio tempo, ampliaram a casa, reformaram a cozinha e renovaram os eletrodomésticos. Construiram novos quartos e a tão sonhada suíte. A sala também ganhou uma TV maior para divertir os netos.
Tem até computador com internet. Mas o xodó de seu Zé está garagem.

“Já é o segundo carro zero. Eu compro e pago à vista. Eu queria que o biodiesel num parasse nunca e fosse para frente a vida toda porque é uma fonte de energia renovável e está dando muito lucro para o pequeno produtor”, concluiu seu Zé.

O Brasil é o segundo maior produtor de biodiesel do mundo. Só perde para a Alemanha. Mas com o preço atual do petróleo, o novo combustível ainda custa mais do que o diesel comum.

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