sábado, 23 de dezembro de 2006

Mercado de biodiesel passa por ``dores do crescimento''

Criado para reduzir gastos com importações de diesel e emissões de poluentes ao mesmo tempo em que geraria 120 mil empregos em regiões carentes, segundo o governo, o programa de biodiesel vem esbarrando em problemas considerados graves aos olhos dos produtores, mas contornáveis na avaliação oficial.

Falta de planejamento e escassez de matérias-primas são obstáculos a que o país chegue em 2008 com combustível necessário para atender à obrigatoriedade de mistura de 2 por cento ao diesel, economizando divisas de 160 milhões de dólares anuais.
Para atingir a meta, o país precisa ter disponíveis nos postos 800 milhões de litros de biodiesel em 2008, compromisso que vem sendo assumido por muitas empresas nos leilões da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)- em quatro leilões já foram comercializados os 800 milhões de litros para entrega futura.

Mas se os leilões são considerados um sucesso do ponto de vista de venda, na prática, algumas empresas não estão conseguindo honrar os contratos.

Na avaliação do diretor de combustíveis renováveis do Ministério de Minas e Energia, Ricardo Dornelles, o fato de algumas empresas não entregarem o biodiesel faz parte do estágio inicial do programa, e não indica falha do processo.

``Em 2007 será consolidada a base produtiva, que vai dar tranquilidade ao governo para poder antecipar o aumento de mistura no diesel'', disse Dornelles, referindo-se à antecipação da mistura de 5 por cento de biodiesel, originalmente prevista para 2013.

Ele informou que, do primeiro leilão, realizado em novembro de 2005, apenas uma empresa não honrou a entrega, e no segundo, das oito participantes, quatro deram garantia de cumprir o prometido e mais uma ou duas devem entregar o biodiesel.
``O que não for entregue deverá ser colocado nos próximos leilões da ANP, para completar a cota'', informou Dornelles, que prevê mais dois leilões em 2007 para ajustar a oferta. Segundo ele, 700 milhões de litros já estariam garantidos.
Na ANP, a avaliação do superintendente da área de abastecimento, Roberto Ardenghy, é de que algumas empresas foram ``muito afoitas'' nos primeiros leilões, mas que até 2008 tudo estará resolvido.

Ele culpou a utilização da soja pelo fracasso de alguns contratos, ``cujo óleo ficou mais caro no mercado internacional, desviando a commodity da produção de biodiesel''. Ardenghy aposta em oleaginosas menos nobres para garantir o sucesso do programa.

``Hoje temos 18 unidades produtoras, a maioria de soja, mas nos últimos seis meses aprovamos 11 unidades que já mostram diversificação para mamona, pinhão manso, algodão'', informou.

Ele prevê que em 2007 o país tenha entre 25 e 30 fábricas de biodiesel a partir de fontes variadas espalhadas por todo o país.

A Petrobras já anunciou a construção de três plantas para produzir 150 milhões de litros a partir do fim de 2007. Para o gerente-executivo de desenvolvimento energético da companhia, Mozart Schmitt de Queiroz, as reclamações sobre falta de insumos são pontuais e devem acabar com a entrada em massa de outras fontes.

OBSTÁCULOS

Mas a produção em larga escala de outros produtos que não a soja ainda esbarra em problemas. A mamona, uma das matérias-primas vedetes do programa federal, teve um salto de produção de 2003, quando foi lançado o programa, a 2005, alimentado pela expectativa de que teria um mercado comprador.

Mas as compras não ocorreram na hora esperada, e a ''superoferta'' fez os preços caírem de 1,10 real por quilo para cerca de 30 centavos. Com isso, a área plantada voltou a encolher, passando de 210 mil hectares em 2005 para 149 mil hectares este ano, segundo dados da Conab.

``Com a oferta de óleo da mamona deste ano, não tem nem o cheiro para a produção de biodiesel'', afirmou Napoleão Beltrão, chefe-adjunto de pesquisa e desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Para ele, há uma ''dessincronia'' entre produção e consumo.

``Enquanto o BNDES está com quase 1 bilhão (de reais) de financiamento para a indústria de biodiesel... a produção (agrícola), principalmente aqui no Nordeste, está desregulada'', disse ele, que defende um maior planejamento, além de preço mínimo e garantia do mercado aos produtores.

Segundo a Embrapa, o Nordeste tem disponíveis atualmente 5 milhões de hectares para plantio de mamona, área suficiente para produzir 1 bilhão de litros.

Com a falta de matérias-primas, há fábricas de biodiesel da região que estão tendo que buscar soja e algodão em outros Estados, como os do Centro-Oeste, Maranhão e Bahia, o que acaba tirando a competitividade do produto, disse Beltrão.

Para a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), o programa é restritivo, ao incentivar a produção a partir de mamona e palma, que juntos representam não mais que 3,6 por cento da produção nacional de óleos vegetais, localizada principalmente no Norte e Nordeste.

``A idéia de se desenvolver um programa com cunho social é louvável, agora, que isso seja a solução, pode esquecer. Fatalmente, ela passa pela soja'', afirmou Carlo Lovatelli, presidente da entidade, que defende tratamento isonômico entre os insumos.

Lovatelli diz que o programa federal nasceu com problemas, mas admite que o sucesso do biodiesel no Brasil é apenas uma questão de tempo diante da demanda mundial por combustíveis alternativos e a disponibilidade de terras no país.

``Estamos numa fase de dores do crescimento. Algumas regras não são claras, algumas estão erradas'', afirmou.
Fonte: O Globo On Line

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